Título: Labirinto de dívidas
Autor: Geralda Doca
Fonte: O Globo, 15/05/2005, Economia, p. 31

Rombo do INSS chega a R$128 bi. Lista inclui empresas que devem só R$0,25

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Isso mesmo: 25 centavos que dão muita dor de cabeça. Como a Previdência executa apenas dívidas acima de R$5 mil, em muitos casos essa quantia irrisória não é comunicada aos devedores, conforme relatos de empresários ouvidos pelo GLOBO, e impede a obtenção da Certidão Negativa de Débito (CND).

Sem o documento, essas pessoas não têm acesso a financiamentos de bancos públicos, não podem participar de licitação e, ao menos em tese, não podem vender o patrimônio. Ou seja, estão sujeitos às mesmas sanções, restrições e punições a que contumazes devedores de milhões de reais à Previdência deveriam ser submetidos.

Surpresas desagradáveis

Por causa de R$0,25, o pequeno empresário Leandro Dares, que tem uma fábrica de móveis em Ceilândia (DF), perdeu uma licitação de R$28 mil do governo federal porque não conseguiu obter a CND. Ele nunca soube desse débito, que compra no máximo duas balas.

A história se repetiu com o empresário Fernando Brites, que fabrica móveis para escritório e também foi impedido de participar de uma licitação. Neste caso, do Banco do Brasil, no valor de R$2 milhões, por conta de uma dívida de apenas R$3 ¿ que não pagam nem duas passagens de ônibus no Rio.

¿ Isso é um absurdo porque a maioria das empresas paga em dia. O que acontece são pequenos erros de cálculos e arredondamento da folha de pagamento. As empresas não podem ser punidas por isso ¿ protestou Brites.

De acordo com a lista de devedores que está sendo usada para atualizar o banco de dados do INSS, o total de créditos inscritos apenas na dívida ativa atingiu R$87,36 bilhões em março, correspondendo a 184.627 devedores, entre pessoas físicas e empresas. Os estados com maior peso nessa dívida são São Paulo, com R$38,3 bilhões, e Rio de Janeiro, com R$12,1 bilhões.

Paulo Braga, um dos sócios do açougue Braga & Filhos em Macapá, ficou surpreso quando soube que deve ao INSS R$33,13:

¿ Não pagamos porque a gente não sabia disso ¿ espantou-se.

O mesmo aconteceu com João Fiorotto, dono da fábrica de calçados Bibano, de São Paulo, que tem uma dívida de R$29,31.

¿ Preciso falar com meu contador para saber o que é.

Francisco Teixeira, dono da Padaria e Confeitaria Acadêmico de Santa Cruz, no Rio, também está na lista suja do INSS, com uma dívida de R$305,85. Com seis empregados na padaria, ele diz desconhecer o valor. A história se repete com várias empresas, até mesmo conhecidas, como a Lojas Marisa, que aparece com um débito de R$451,28, e a Viação Itapemirim, com R$29,86. Ambas desconhecem as pendências.

O Ministério da Previdência afirmou que quando um crédito a seu favor é identificado, o devedor é informado por carta. Se, em 30 dias, o pagamento não for efetuado, ele passa a fazer parte da lista de débitos.

Diante da dificuldade da Previdência de recuperar esses créditos, o Conselho Nacional de Previdência Social, formado por representantes do governo e da sociedade, concluiu no mês passado um estudo em que recomendou a anistia para dívidas abaixo de R$5 mil. O grupo de trabalho traçou também um perfil dos devedores do INSS.

Segundo o levantamento, a medida beneficiaria 74.462 empresas que devem ao governo R$132,9 milhões, o que representa apenas 0,13% da dívida total. Com isso, seriam riscados do cadastro do INSS 93 mil créditos, sendo que 49,89% deles têm mais de dez anos. A proposta, no entanto, foi vetada até segunda ordem pelo Ministério da Fazenda, sob alegação de que a medida criaria uma cultura negativa e poderia abrir caminho para que a Procuradoria-Geral da Fazenda (PGFN) fosse obrigada a perdoar créditos tributários de grandes devedores.

Para o ex-secretário da Previdência Social Marcelo Estevão, o INSS não pode continuar tratando da mesma forma sonegadores, fraudadores e pequenos devedores. Ele lembrou que, em 1997, o governo anistiou as dívidas previdenciárias abaixo de R$1 mil. Até porque manter os nomes inscritos na dívida ativa tem um custo certamente superior a R$29.

¿ Além da limpeza do cadastro, sobrariam mais recursos para se chegar no sonegador contumaz ¿ disse ele, acrescentando que 85% da dívida do INSS está nas mãos de apenas 6,86% das empresas.

SETOR PÚBLICO DEVE R$14 BI E GOVERNO VAI REFINANCIAR OS DÉBITOS, na página 32