Título: Vista grossa para a corrupção
Autor: Evandro Éboli e Francisco Leali
Fonte: O Globo, 18/10/2004, O país, p. 3

Levantamento do GLOBO com base no resultado das eleições municipais revela que dos 75 prefeitos reprovados por fiscalização da Controladoria Geral da União (CGU), e que disputaram a reeleição, 40 saíram vitoriosos (53% do total). Os 35 restantes não conseguiram se reeleger. Nas gestões desses prefeitos foram detectados desvios que envolvem cifras milionárias, licitações fraudulentas, distribuição de medicamentos vencidos para a população e obras inacabadas apesar de pagas.

Essas prefeituras fazem parte do total de 561 municípios escolhidos para ser fiscalizados nos doze sorteios realizados nos últimos dois anos pela CGU. Até agora, o governo divulgou relatório de 391 prefeituras fiscalizadas. Uma equipe de auditores e fiscais da CGU visita os municípios e faz uma devassa na contabilidade. Somente sete prefeituras do país não tiveram qualquer irregularidade encontrada.

Os eleitores reelegeram prefeitos suspeitos de irregularidades sabendo o que estavam fazendo. Na disputa para prefeituras deste ano, a primeira desde a implementação do programa, o relatório do governo virou um trunfo eleitoral. As conclusões da CGU foram usadas amplamente nas campanhas, pelos que se saíram bem na avaliação mas, principalmente, pela oposição, que explorou o documento. Mesmo assim, mais da metade dos reprovados pela CGU se reelegeu.

Mas o relatório dos auditores foi decisivo no resultado de várias cidades do país. Na pequena Viçosa, em Alagoas, incluída na lista negra da CGU, o atual prefeito Flavius Flaubert (PL) não foi reeleito. Perdeu por 200 votos de diferença para Péricles Vasconcelos (PSB), que divulgou o relatório na campanha, em panfletos e num telão no centro da cidade. Flaubert culpa a controladoria por sua derrota.

PSDB é o primeiro na lista dos reeleitos

Em Novo Gama (Goiás), a prefeita Sônia Nascimento (PSDB), também reprovada pela CGU, conseguiu se reeleger. Mas sofreu com a oposição. Com base no relatório do governo federal, tentaram impugnar sua candidatura. Vereadores do PT fizeram alarde e divulgaram o texto da controladoria em carro de som pela cidade. Não deu resultado. Sônia acabou eleita.

O PSDB, com 12 reeleitos, é o partido em primeiro lugar na lista dos prefeitos reprovados e vitoriosos. Em seguida vem o PFL (10), PMDB (5), PPS (4), PP (4), PT (2), PTB (2) e PDT (1). O Ceará é o estado que reelegeu o maior número desses prefeitos, cinco. No Rio, foram reeleitos três: Farid Abraão Davi (PP), em Nilópolis; Celso Jacob (PMDB), em Três Rios; e Altair Campos (PMDB), em Vassouras.

Apesar da maioria dos prefeitos reprovados que disputaram a reeleição terem conquistado mais um mandato, o subcontrolador-geral da União, Jorge Hage, comemora o resultado e aprova a exploração eleitoral dos relatórios da CGU. Para ele, o resultado eleitoral é altamente animador.

¿ Com o trabalho da CGU, é possível identificar com rapidez os prefeitos corruptos. Antigamente, era preciso esperar cinco ou dez anos, após longa tramitação do processo na Justiça, para se descobrir essas irregularidades. E o político já estava fora do cargo há muito tempo ¿ afirmou Jorge Hage.

O subcontrolador-geral disse ainda que os relatórios alteraram a rotina nas cidades e aumentaram o envolvimento da população no controle da administração do prefeito.

Entre os casos de reeleição, o considerado mais grave pela CGU foi a vitória de Antônio Calmon (PFL), em São Francisco do Conde, na Bahia. A controladoria apurou superfaturamento de R$ 2 milhões em obras realizadas na cidade. A prefeitura pagou ainda R$ 630 mil na compra de 4,3 milhões de unidades de elásticos, que representam cinco toneladas do produto. O material nunca foi entregue.