Título: A PEDRA NO SAPATO DAS EMPRESAS ARGENTINAS
Autor: Janaína Figueiredo
Fonte: O Globo, 15/05/2005, Economia, p. 34
Capital brasileiro assume controle de indústrias do país vizinho. Argentina também teme importados e quer proteção
BUENOS AIRES. ¿Na década de 60, todos os pneus eram fabricados na Argentina. Hoje, quase todos são importados do Brasil.¿ Com esta frase, o presidente da União Industrial Argentina (UIA), Héctor Méndez, exemplificou o que considera o drama da indústria de seu país. Em sintonia com os industriais argentinos, o presidente Néstor Kirchner assegurou, semana passada, após um importante encontro com o presidente Lula, em Brasília, que a recuperação da indústria argentina é prioridade para seu governo.
¿ Lula entendeu que não podemos ter um país com indústrias (leia-se o Brasil) e outros países sem indústrias ¿ disse Kirchner, que no encontro colocou sobre a mesa sua lista de reclamações.
A Argentina teme pelo aumento da importação de determinados produtos brasileiros, com destaque para calçados, têxteis e eletrodomésticos. Paralelamente, o governo Kirchner acompanha com extrema preocupação a compra de importantes empresas nacionais, como a fabricante de cimento Loma Negra ¿ uma das últimas jóias da economia local ¿ em fase final de negociação com a Camargo Corrêa.
Brasileiros também negociam compra da Molinos
Rumores que circularam nos últimos dias em Buenos Aires indicam que empresários brasileiros estariam negociando, também, a compra da Molinos, gigante do setor alimentício argentino ainda em poder do grupo local Pérez Companc, que em 2002 vendeu sua companhia petrolífera para a Petrobras.
Por último, a Argentina quer equilibrar o fluxo de investimentos injetados no Cone Sul, já que hoje cerca de 90% são destinados ao Brasil. Segundo a Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal), em 2003, por exemplo, o Brasil recebeu US$10,144 bilhões de investimento direto. Na Argentina, entrou apenas US$1,103 bilhão.
Ontem, Kirchner disse à Rádio del Plata que o Brasil quer concentrar em São Paulo o desenvolvimento industrial e deixar ¿sem indústrias¿ o resto da América Latina.
¿ Vai ser sempre assim, acostumemo-nos: o Brasil quer ter uma grande indústria em São Paulo e quer que depois toda a América Latina fique sem indústrias. Sobretudo o establishment brasileiro que está em São Paulo.
Méndez lidera a ala dos empresários que exigem a incorporação de salvaguardas (medidas protecionistas no jargão diplomático) ao Mercosul.
¿ As empresas brasileiras controlam 50% do mercado argentino de têxteis e 20% do mercado de calçados. Somos prejudicados pelos incentivos concedidos pelos estados brasileiros e pelos créditos do BNDES ¿ afirmou ao GLOBO o presidente da UIA. ¿ Nas décadas de 50 e 60 tudo era fabricado em nosso país. Hoje somos uma raça de sobreviventes.
Ele admite que o principal responsável pela decadência da indústria argentina é o Estado, que não adotou políticas de incentivo. No entanto, na visão do presidente da UIA, hoje cabe ao Brasil aceitar a aplicação de medidas consideradas necessárias pelos argentinos.
A crise da indústria argentina, dizem economistas locais, começou em meados da década 70, com a abertura econômica.
¿ A Argentina precisa ter um programa de crescimento industrial e o Brasil deveria adotar algumas disciplinas dentro do Mercosul ¿ afirmou o economista Dante Sica, diretor do Centro de Estudos Bonaerense (CEB).
Como diz a letra do famoso tango ¿Cuesta abajo¿ (ladeira abaixo) ¿ ¿Sonho com o passado do qual tenho saudade, o tempo velho que eu choro e que nunca voltará¿ ¿ os argentinos embalam seus pedidos protecionistas com a esperança de reviver os tempos em que sua economia representava 50% do PIB latino-americano.
(*) Com agências internacionais