Título: Fiesp teria pedido tropas contra grevistas
Autor: José Casado
Fonte: O Globo, 15/05/2005, O Mundo, p. 38

Estilo do então líder operário Lula, afastado do antigo peleguismo, teria chamado atenção do político-empresário

SÃO PAULO. A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) pediu tropas do estado, durante o regime militar, para reprimir as greves de 1978 no ABC Paulista. O ex-governador de São Paulo (1975-1979) e empresário Paulo Egydio Martins afirma que ouviu, mas não atendeu ao pedido da Fiesp. O motivo, segundo ele, é que mantinha, desde 1976, uma estratégia que chamava de modernização do capitalismo, a qual incluía o novo sindicalismo, representado na época pelo hoje presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O ex-governador conta que sofreu ataques por parte de seus pares, conservadores:

¿ Fui muito criticado. Sempre fui empresário e minha categoria achava que eu tinha mais era que acabar com aquela papagaiada toda.

No entanto, para ele, o movimento de Lula atendia às regras do capitalismo moderno, e não poderia ser massacrado, como pretendia a maioria dos industriais, ainda acostumados ao peleguismo. Paulo Egydio é mais ligado ao setor financeiro.

¿ Não houve intervenção simplesmente porque não houve autorização. Sem minha autorização não iria acontecer nada ¿ lembra Egydio, que além de governador biônico do período Geisel, em 1966 (Castelo Branco) foi ministro de Indústria e Comércio.

¿Não acredito em capitalismo sem sindicalismo forte¿

Egydio conta que, além da área econômica, a principal via de interlocução da Fiesp com o regime militar era o seu governo. Em Brasília, no entanto, a federação mantinha outro canal, com o general Golbery do Couto e Silva, segundo afirma. Na época, o comandante do II Exército, general Ednardo d¿Avila Melo, fazia frente a Paulo Egydio e possivelmente ao próprio Geisel, aplicando medidas desautorizadas. Algumas ações do regime, como as mortes do jornalista Vladimir Herzog e do operário Manoel Fiel Filho (em 1975 e 1976, respectivamente), assim como a tortura, teriam escapado do controle de Paulo Egydio e de Geisel.

¿ Briguei com o general por causa da tortura. A tortura era um processo profundo de desestabilização política de Geisel.

Hoje o ex-governador não descarta a possibilidade de industriais, contrariados com sua negativa e conhecendo a crise com o II Exército, terem tentado outros meios para reprimir.

¿ Na época em que me foi pedida a intervenção, falei: ¿Se houver qualquer ataque, qualquer depredação, posso fazer intervenção. Caso contrário, não.¿ Eu me entendia com o Almir (Pazzianotto, na época advogado do Sindicato dos Metalúrgicos). Na primeira grande greve, quando os helicópteros começaram a sobrevoar o ABC paulista, o Almir me telefonou e falou: ¿Estamos todos muito assustados. Estamos com vontade de sair da concentração.¿ Eu disse: ¿Não vejo a menor necessidade disso porque não acredito que vá acontecer. Isto é uma intimidação. Vocês estão cumprindo um dever de vocês, continuem atuando e, se eu sentir que há possibilidade de um acidente mais grave, eu vou avisá-lo.¿ E a greve foi respeitada ¿ lembra o ex-governador.

Paulo Egydio explica que protegeu o movimento sindical porque, como empresário, viveu o período Vargas e sentiu na pele o que significavam as leis trabalhistas e o peleguismo:

¿ Eu sou um capitalista. Não acredito que possa existir capitalismo sem sindicalismo forte. O Lula era um líder sindical, e sem filiações ideológicas. Fiquei muito curioso com ele e comecei a acompanhá-lo.

O ex-governador participou da solenidade de posse de Lula no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC (1975) e seu gesto criou celeuma na época. O próprio Geisel ficou incomodado, segundo afirma:

¿ Brasília não entendeu nada. Foi minha análise e meu julgamento, interesse meu. Quando eu fui, deu um curto-circuito danado na famosa ¿comunidade de informações¿ e como o presidente (Geisel) se entendia muito bem comigo, me telefonou e perguntou: ¿Paulo, o que você fez?¿ Eu respondi: ¿Sei lá, presidente, eu fui porque achei essencial prestigiar um sindicalismo forte, fora do peleguismo getuliano. Nós não vamos construir uma nação moderna com pelegos, com um sindicalismo que, no duro, é corrupto.¿

¿O único cacique que tinha índio se chamava Lula¿

A posse foi o primeiro encontro de uma série de almoços e jantares do governador com Lula. Depois de passar por Geisel, a aproximação chamou a atenção do estrategista do regime, general Golbery do Couto e Silva. O ex-governador revela que, entre 1977 e 1979, houve uma movimentação no comando do governo militar sobre o operário Lula. Um dos raros civis que tinham acesso a Golbery, Paulo Egydio conta que discutiu com o ¿bruxo¿ o destino de Lula.

¿ Discuti porque ele achava que o Lula no sindicalismo era um perigo e que era preciso jogá-lo para a política, porque na política ele iria se perder. Para ele, o Lula no sindicalismo se tornaria um homem extremamente perigoso. Eu dizia: ¿Olha, é o contrário, precisamos do Lula é no sindicalismo. Precisamos modernizar o Brasil. O empresário não pode continuar sendo um capitalista feudal. Ele vai inspirar outros líderes. Na área política ele pode se perder.¿ Pelo que eu pude perceber, prevaleceu a orientação do Golbery.

Paulo Egydio explica que não sabe da continuidade das pressões de Golbery, que teria passado a usar Murilo Macedo, ministro do Trabalho no governo Figueiredo, como ponte para Lula. Macedo teria feito várias reuniões fechadas com Lula.

¿ Depois rompi com Figueiredo e com Murilo, mas sei que aí se criou o PT. O PT reuniu todas as siglas de esquerda, representadas exclusivamente por caciques. O único cacique que tinha índio se chamava Lula.

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