Título: MENOS REUNIÃO, MAIS AÇÃO
Autor: Helena Chagas
Fonte: O Globo, 16/05/2005, O País, p. 4

De onde menos se espera é que não sai nada mesmo. Muito menos de reunião convocada por Lula com todos os bichos do governo e da oposição na Câmara. E sugerida por Severino. Na melhor hipótese, quarta-feira sai um acordo de votação. Para ser descumprido na primeira esquina.

Não se pode construir sobre areia movediça nem erguer paredes quando as fundações estão podres. Ou Lula resolve seu problema político principal ¿ redefinindo a coordenação e deixando claro quem são, quantos são e onde entram seus aliados ¿ ou todos os discursos tendem a cair no vazio. Antes de chamar a oposição e a Mesa Diretora da Câmara para conversar, é preciso arrumar a casa. E observar as mudanças que se operaram no cenário nos últimos dias. Por exemplo:

SÃO SEBASTIÃO VIROU GUERREIRO - A caça ao Aldo transformou-se em rebelião na base. De mártir solitário, o ministro passou a comandar um pequeno exército de rebeldes. Sua dura reação contra Gushiken e o PT parece ter calado fundo em aliados do PSB, PTB, PCdoB e até PMDB, que resolveram reagir contra a gula petista. Renan Calheiros, que segundo as más línguas parecia ter abandonado o amigo, voltou a hipotecar solidariedade. Isto não quer dizer que Lula deve ou que vá manter o ministro na coordenação. Quer dizer, sim, que a substituição de Aldo não é mais apenas a substituição de Aldo. É uma operação mais complexa que pode até dar o cargo ao PT, mas envolverá também uma repactuação com os aliados não petistas ¿ cuja revolta deve-se muito mais à disputa por espaço com o petismo do que à fritura do ministro. Que, aliás, já deixou claro que não criará problemas se for substituído dentro de um projeto maior de recomposição da base.

NOVO ESPORTE NA ESPLANADA: CAÇA AO GUSHIKEN - O sempre discreto e zen ministro chefe da Secom talvez tenha cometido seu pior erro político em todo o governo Lula ao defender publicamente que um petista vá para o lugar de Aldo. Lula não gostou e os aliados não-petistas ficaram em pé de guerra. Mas pior de tudo mesmo é o fogo amigo no PT, onde a atitude de Gushiken foi interpretada como uma jogada para transferir José Dirceu para a pasta política de Aldo, deixando a Casa Civil vaga. Para quem? Ele mesmo. Como se sabe, petista não perdoa. Até o comedido Luiz Dulci, palaciano dos mais discretos, andou atirando no ministro-zen.

PRESSÕES PARA MUDAR O DESENHO PALACIANO - Entre petistas interlocutores do presidente há quem defenda que a melhor solução seria, em vez de nomear alguém (Dirceu, Jaques Wagner, João Paulo), extinguir o cargo de Aldo, fazendo retornar suas funções à Casa Civil de José Dirceu. Tem lógica, mas quem conhece bem o presidente acha que ele não fará isso. Pelo simples fato de que, ao dar o dito pelo não dito, estará admitindo que errou, lá atrás, ao separar as funções. E, sobretudo, porque estará dando asas a Dirceu ¿ justamente aquele que, na ocasião, mandava ou parecia mandar demais em seu governo...

A VINGANÇA MALIGNA DO VETO VIRÁ - Lula pode até ter se dado bem junto à opinião pública e vencido a queda-de-braço em torno do veto ao aumento de 15% para os servidores do Congresso. Mas que ninguém se iluda: os dirigentes da Câmara e do Senado, imobilizados nesse caso específico, vão dar seu troco em outro terreno. Renan, sobretudo, sentiu-se traído. Mas a vingança, quando não vem a cavalo, pode vir de toga. O Senado acompanha atentamente o final do julgamento do STF sobre a legalidade da instalação da CPI dos Bingos, com placar de 4 a 0, até agora, desfavorável ao Planalto. E se prepara para nomear seus membros com celeridade inusitada. Dirceu na mira.

E A OPOSIÇÃO? SURFANDO NESSA ONDA - Os líderes oposicionistas irão à reunião com Lula e são até capazes de sair com um discurso bonitinho, de que vão votar de acordo com os interesses do país. Neste ano pré-eleitoral, porém, não têm o menor interesse em ajudar o governo a sair do labirinto político em que se meteu. Muito pelo contrário: a tática dos oposicionistas é, cada vez mais, atrair Severino Cavalcanti para seu lado. Coisa, aliás, que vem se mostrando incrivelmente fácil. A ponto de já se prever sempre, e com antecedência, qual será a próxima surra que o Planalto vai levar no Congresso. E qual será agora? A reforma tributária, ora...

PS - Vou dar férias aos leitores nas duas próximas segundas-feiras. Volto em 6/6. Até lá...