Título: OBSTÁCULO
Autor: Carlito Merss
Fonte: O Globo, 16/05/2005, Opinião, p. 6

Agestão da taxa de juros Selic pelo Comitê de Política Monetária (Copom) tornou-se o novo vilão daqueles que combatem a austeridade com que o governo trata as contas públicas. O paradoxo atual é o fato de liberais se mobilizarem contra a ortodoxia responsável por manter elevada a taxa de juros. O governo vem utilizando um instrumento econômico clássico: eleva a taxa de juros para restringir a oferta monetária, logo, reduz o consumo e inibe a inflação. A oposição, que explodiu com a dívida pública quando era governo, ainda quer reduzir o tamanho do Estado e privatizar. Mas quer mais: estatizar o câmbio, reduzir o superávit, não pagar impostos, livrar-se da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Poucos lembram que, no governo FH, a taxa Selic anualizada pulou de 20% para 41% em 1997, e chegou a atingir 42% em 1998. A carga tributária era de 26% do PIB e foi para 35%, e a dívida interna passou de R$68 bi para R$750 bi. É claro que ninguém quer uma taxa de juros elevada. Especialmente o governo. A elevação da remuneração dos títulos públicos aumenta as despesas financeiras e compromete investimentos tão necessários, como estradas, saúde, educação ou infra-estrutura. Se o país já tem uma baixa poupança interna, fica mais difícil quando o governo reduz os investimentos.

Se a ortodoxia monetária custa caro, beneficiando apenas o mercado financeiro, também é verdade que a inflação dilapida a qualidade de vida, reduz o poder de compra dos salários e agrava a concentração de renda. Inflação que vem sendo agravada pelas tarifas dos serviços públicos privatizados.

Mesmo controlando com rigor a base monetária, o governo vem operando uma política de microcrédito, de crédito consignado e de incentivo às cooperativas de crédito. Com isso, e pelo diferencial das taxas praticadas pelos bancos públicos, amplia-se a concorrência bancária, reduzindo-se o spread para empréstimos e financiamentos. Retoma-se o consumo, o empreendedorismo, geram-se negócios e empregos. É por isso que o presidente Lula alertou que, apesar da Selic, estamos convivendo com um ambiente macroeconômico estabilizado, com redução da vulnerabilidade e com crescimento consistente da oferta de crédito e dos investimentos na produção.

A taxa de juros precisa baixar e gerar crescimento sem inflação. O problema é que ainda sobrevive a cultura da esperteza que majora preços e transfere ao cidadão a conta da concentração de renda. Enquanto não superarmos essa perversa herança, seremos obrigados a utilizar os juros para combater a inflação.

CARLITO MERSS é deputado federal (PT-SC).