Título: OS NOVOS MIGRANTES: DO PÃO DE QUEIJO AO BAIÃO-DE-DOIS
Autor: Paulo Marqueiro e Selma Schmidt
Fonte: O Globo, 16/05/2005, Rio, p. 8

Nordestinos superam mineiros e já representam 52,6% dos retirantes

Levando na bagagem apenas roupas e um fogão de duas bocas, Alice Maria da Conceição, de 82 anos, deixou Pedregal, bairro pobre na periferia de Campina Grande, na Paraíba, na manhã de 9 de abril, com o coração apertado. Seu destino: a casa da filha única, Avani Belarmino dos Santos, de 57 anos, também paraibana, no alto do Morro do Vidigal.

Avani, que saiu da Paraíba há 23 anos, e sua mãe ilustram a mudança de perfil das pessoas que deixam a terra natal em busca de melhores oportunidades no Rio. Segundo o IBGE, em 1940, 55,3% dos migrantes do estado vinham da própria Região Sudeste e apenas 28,2% do Nordeste. Em 2000, a participação do Nordeste já era de 52,6%, enquanto a do Sudeste havia recuado para 39,3%.

Ainda de acordo com o IBGE, em 1940 a maior parte dos migrantes do Estado do Rio vinha de Minas Gerais: 40,4%. Em 2000, a participação dos mineiros havia caído para 24,3%. Apesar disso, Minas ainda é o estado com maior presença entre os migrantes, superando Paraíba (14,6%), Espírito Santo (9,3%), Pernambuco (9,3%), Ceará (8,5%) e Bahia (7,8%).

A vinda de paraibanos para o Rio foi a que mais cresceu nos últimos 60 anos: de 2%, em 1940, para 14,6%, em 2000, sete vezes mais. Segundo o IBGE, os migrantes representam hoje 17,4% (2,47 milhões) da população do estado e os nordestinos 9,14% (1,3 milhão).

¿ A tendência é diminuir cada vez mais a participação de Minas ¿ diz o pesquisador Fernando Albuquerque, do IBGE.

Agora a paraibana Alice faz parte das estatísticas. Ela já tinha vindo ao Rio outras vezes, para visitar a filha, mas sempre voltava à Paraíba, assustada com a violência. Desta vez, veio para morar. Com a morte de um irmão e de três sobrinhos, sentiu-se muito sozinha.

¿ O pessoal fala de tiroteio no Rio e eu fico nervosa. Mas o lugar onde eu morava também está muito violento. Não dá nem para deixar roupa no varal que levam ¿ conta Alice.

`Quer emprego? Vá para o Rio¿

Avani mora numa casa própria com o marido, José Romão da Silva, que, como ela, é paraibano. Pedreiro desempregado e ex-morador de Caxias, José montou uma barraca para vender comida e bebida ¿ a Mc Caxias ¿ na porta de casa. Avani se encarrega de fritar os salgadinhos. Mudar do Vidigal, diz ela, só se for para Remígio, no interior da Paraíba, onde nasceu:

¿ No Vidigal, estou pertinho do céu.

Caminho semelhante fez Joseilma Jorge da Silva, de 29 anos, que saiu de Boqueirão, no interior da Paraíba, há oito meses, para morar na Favela de Rio das Pedras, em Jacarepaguá, seguindo os passos de nove de seus dez irmãos. Não demorou muito, ela mandou buscar os pais. A família só não está completa porque os filhos ¿ Jéssica, de 11 anos, e Plácido, de 13 ¿ ficaram com o pai na Paraíba.

¿ Morro de saudades dos meus filhos ¿ afirma Joseilma, sem conter as lágrimas ¿ Mas não gostaria de trazê-los para o Rio agora. Tenho medo da violência e da prostituição.

Joseilma mora com oito pessoas numa casa própria de quarto, cozinha e banheiro. Enquanto não constrói outro cômodo, há camas até na cozinha. Trabalhando como garçonete num restaurante de Rio das Pedras, Joseilma diz que está melhor aqui do que na Paraíba:

¿ Uma vez, uma amiga minha foi pedir emprego na prefeitura e o funcionário disse: ¿Minha filha, você quer emprego? Vá para o Rio¿.

Para matar as saudades do Nordeste, Joseilma adota um cardápio em que não faltam a tapioca e o baião-de-dois (feijão e arroz com queijo coalho, salsa, cebolinha e coentro).

A busca por uma vida melhor também motivou Francisco Gonçalves do Nascimento, de 19 anos, a trocar, há três anos, Ararendá, no Ceará, pelo Rio. A barraca de churros na Taquara garante uma renda de R$600 a R$800 por mês:

¿ Vim para trabalhar e ganhar dinheiro. No Rio a gente tem oportunidade de conseguir as coisas mais rapidamente ¿ diz Francisco, que mora numa casa alugada em Rio das Pedras.

Como não pode deixar o negócio, Francisco precisou se separar temporariamente da mulher, Francisca Elane Nunes de Sousa, de 16 anos. Grávida de seis meses, ela embarcou em 11 de abril para Ararendá. Elane quer ter o filho perto da mãe, Maria de Fátima de Sousa.

¿ Estou com muita saudade do Francisco, mas volto para o Rio assim que o bebê nascer ¿ promete Elane, já em Ararendá.

Antônio Carlos da Silva Rodrigues, de 18 anos, é outro nordestino que veio tentar a vida no Rio. Em 28 de abril, ele partiu do sertão do Ceará num ônibus da Itapemirim, chegando à Favela da Rocinha na tarde do dia 30. Durante a viagem, acompanhada pelo GLOBO, Antonio Carlos ouviu forró o tempo todo.

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