Título: ONGS ANTIAIDS PEDEM A QUEBRA DE PATENTES
Autor: José Meirelles Passos
Fonte: O Globo, 14/05/2005, Economia, p. 32
Organizações protestam contra pressões de farmacêuticas americanas sobre o Brasil por remédios contra o HIV
WASHINGTON. O Brasil está sob fogo cruzado. Um dia depois de influentes grupos lobistas americanos terem enviado cartas ao governo dos Estados Unidos, sugerindo sanções contra o Brasil caso o Ministério da Saúde quebre as patentes de medicamentos contra o vírus HIV, organizações não-governamentais realizaram ontem uma manifestação em frente à embaixada brasileira em Washington pressionando o governo a justamente encampar as patentes para produzir genéricos mais baratos.
"Brasil, quebre o monopólio dos remédios contra a Aids", gritava em coro o grupo de 14 representantes de várias ONGs, agitando cartazes com esses mesmos dizeres. Outros, trazendo o desenho de um tigre, incitavam a um ataque: "Brasil: mostre os seus dentes. Quebre o monopólio das patentes".
Uma pressão desse tipo também foi realizada em frente à missão do Brasil na Organização das Nações Unidas, em Nova York.
- O Brasil tem mostrado uma tremenda liderança na luta contra a Aids. Governos dos países pobres e ativistas contra a Aids agora estão esperado que o Brasil cumpra a sua promessa e dê todos os passos necessários para cancelar as patentes desses remédios caríssimos que são desesperadamente necessitados. Todos os olhos estão voltados para o Brasil - disse John Riley, do grupo Act Up, de Nova York.
Nada menos do que 74 ONGs brasileiras e 64 internacionais estão unidas no compromisso de exigir que o Ministério da Saúde cumpra a ameaça feita no último dia 15 de março aos laboratórios Abbott, Merck e Gilead Science: fazer uma concessão, vendendo seus produtos mais barato ou ter seus remédios copiados, na forma de genéricos, no Brasil. Devido ao aumento dos preços o governo teria de gastar este ano US$169 milhões para manter o seu programa de tratamento gratuito contra o HIV e a Aids. Isso é o equivalente a 67% do orçamento para a importação de remédios.
- O Brasil se deixou intimidar muito tempo pelas grandes companhias farmacêuticas. Chegou a hora do país se levantar e enfrentá-las, mostrando ao mundo o tipo de liderança global que esse assunto necessita de forma desesperada - disse o doutor Paul Zeitz, diretor-executivo da Global Aids Alliance.
Para simbolizar essa atitude, os manifestantes depositaram à porta da embaixada do Brasil a réplica de uma espinha dorsal ereta, junto a um cartaz que dizia "A espinha dorsal que faz falta ao Brasil".
Associação brasileira reclama contra lobistas
No Brasil, a Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (Abia) manifestou repúdio às pressões americanas contra a quebra de patentes. Em sua nota, a Abia disse que "quando a American Conservative Union afirma que o Brasil é o maior violador de direitos de propriedade intelectual de toda a indústria americana e que o Brasil está roubando inovações dos EUA sob o disfarce de emergência de saúde, o grupo parece ignorar os pedidos de licença compulsória já feitos pelo próprio governo americano."
A associação lembrou as ameaças americanas contra o laboratório alemão que fabricava medicamento contra antraz, diante do risco terrorista e de apenas quatro casos confirmados da doença nos Estados Unidos.
Veriano Terto Jr., coordenador-geral da Abia, que assinou a nota, reclama que a postura americana diante de uma epidemia mundial que atinge 40 milhões de pessoas não é a mesma. Terto ainda ressaltou que a medida seria legal segundo a legislação brasileira (lei 9279/96) e segundo o Tratado Trips da OMC.
"Ela é prevista em casos de emergência nacional, interesse público e uso público não-comercial, além de casos de abuso de poder econômico", acrescentou. E concluiu: "O que o Brasil deseja é somente a utilização de um direito que está previsto pela lei nacional em consonância com os princípios e pactos internacionais de direitos econômicos e sociais.