Título: CHEFE DA REPRESSÃO CHILENA ASSUME CRIMES E RESPONSABILIZA PINOCHET
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Fonte: O Globo, 14/05/2005, O Mundo, p. 37

Contreras reconhece participação em 580 assassinatos durante ditadura

SANTIAGO. Depois de mais de 30 anos de silêncio, o ex-chefe da Dina, a polícia política da ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990), confessou ontem que comandou cerca de 580 assassinatos de opositores do regime. O general Manuel Contreras, que liderou o órgão repressor entre 1973 e 1977, divulgou ontem, por meio de seu advogado, um documento de 30 páginas em que reconhece seu papel na perseguição de opositores e acusa o ex-ditador de ter se escondido atrás de um nefasto silêncio para se eximir da responsabilidade pela morte de mais de três mil pessoas, que teriam ocorrido sob ordens de Pinochet e com seu conhecimento.

Contreras foi duro nas críticas a Pinochet: "O permanente nefasto silêncio de meu superior hierárquico, o presidente da República e comandante-em-chefe do Exército na época, o capitão-general Augusto Pinochet Ugarte, para sair em defesa desta instituição (a Dina) e de seus integrantes, que dependiam de sua autoridade."

Corpos teriam sido exumados e lançados ao mar

O advogado de Contreras, Juan Carlos Manns, afirmou que no documento há uma lista que indica o nome de 580 desaparecidos políticos, a data e o local de suas prisões, a instituição responsável pelas detenções, os motivos que os levaram a ser detidos e o destino final dos corpos. Muitas das pessoas assassinadas teriam tido os cadáveres exumados e jogados no Oceano Pacífico ou em lagos e rios chilenos, mas grande parte ainda estaria enterrada nos arredores de Santiago. Ele também descreve detenções de militantes de esquerda feitas em outros países, como na Argentina.

Segundo o advogado de Contreras, a intenção do general reformado é defender pessoas que não teriam culpa. Mas a idéia de inocência que o ex-chefe de uma das entidades que mais mataram e torturaram entre as ditaduras da América do Sul na década de 1970 resume-se a afirmar que os assassinos cumpriam ordens.

- Meu cliente assume a responsabilidade que pode ser dele, mas também exime de responsabilidade muitos oficiais das distintas Forças Armadas que tiveram como função cumprir uma missão ordenada pela Junta de Governo e pelo golpe militar da época - disse Manns.

No texto, Contreras insinua que juízes e opinião pública têm perseguido pessoas que não teriam responsabilidade pelos crimes.

"Não poderia ignorar, nem moral nem profissionalmente, diante da barbárie judicial e publicitária a que são submetidos um grupo de pessoas absolutamente inocentes, integrantes das diferentes instituições de defesa nacional e civis que pertenceram à Dina", escreveu ele.

"A responsabilidade hierárquica não vem de um tenente-coronel que depois se tornou coronel (Contreras era tenente-coronel no momento do golpe e foi promovido a coronel enquanto chefiava a Dina), ou capitães e tenentes, que formavam a cúpula da Dina, mas das ordens hierarquicamente superiores", escreveu Contreras, que relembra que Pinochet era o responsável por dar as ordens e que era sempre informado sobre as operações da Dina.

Grupos de famílias de desaparecidos e defensores dos direitos humanos receberam as informações com um misto de surpresa e descrença devido ao histórico de Contreras.

- Seria um documento importante para esclarecer uma série de delitos caso suas alegações sejam verdadeiras - disse o jurista Hugo Guttiérrez. - Mas é preciso destacar que em reiteradas ocasiões Manuel Contreras forneceu informações referentes a ele mesmo que não resultaram ser mais do que mentiras que foram divulgadas para desviar a atenção.

O governo do presidente Ricardo Lagos reagiu com cautela.

- Quem deve validar estas informações são os tribunais - disse o porta-voz do presidente, Francisco Vidal.

BOXE EXPLICATIVO

> História de violência

Manuel Contreras foi o comandante da Dina na pior fase da repressão chilena depois do golpe militar que levou o general Augusto Pinochet ao poder. Ele liderou o órgão entre 1973 e 1977, quando a Dina foi extinta.

Nas primeiras semanas da ditadura, Contreras teria participado da Caravana da Morte, quando militares percorreram prisões em todo o país e executaram militantes de esquerda detidos. A entidade continuou sendo a principal responsável pelo desaparecimento de pessoas.

Contreras já cumpriu sete anos de prisão domiciliar pelo assassinato do ex-ministro do Exterior chileno Orlando Letelier.

Em janeiro, foi levado para uma penitenciária militar pela morte do militante de esquerda Miguel Angel Sandoval Rodríguez, onde cumpre 12 anos de detenção.