Título: Polícia volta a virar auxiliar de mudança
Autor: Cristiane de Cássia, Fernanda Pontes e Luiz Ernest
Fonte: O Globo, 18/10/2004, Rio, p. 10

Por causa do tráfico, a polícia mais uma vez assumiu um papel que não é o dela: em vez de impedir que moradores sejam ameaçados por bandidos, virou auxiliar de mudança. Ontem, uma equipe da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core) teve que resgatar e garantir que uma família de cinco pessoas, mantida refém por pelo menos 20 homens, saísse, sob escolta, da Favela Lagoinha, em Caxias. Há menos de um mês, dois episódios semelhantes aconteceram: na Rocinha, policiais militares e civis montaram uma operação para garantir a retirada de mercadorias do depósito do revendedor de gás Gonçalo Waldemar Evangelista, expulso por traficantes, que tomaram seus pontos de venda. Dois dias depois, foi a vez de policiais da 15 DP (Gávea) ajudarem uma estudante de teatro paulista, ameaçada por traficantes, a se mudar da casa em que morava, na Favela do Vidigal.

Ontem, os agentes da Core resgataram o eletricista A., sua mulher, uma enteada de 16 anos e duas filhas, de 3 e 5 anos, no início da madrugada. Eles estavam trancados em casa, cercada por pelo menos 20 bandidos, que, segundo a polícia, pretendiam montar uma espécie de ¿tribunal do tráfico¿ para decidir se a família seria executada ou expulsa da comunidade. A. nega ter envolvimento com o tráfico e alega que se mudou para a Lagoinha há oito dias. Ele disse que trabalhava como caseiro no Recreio, mas largou o emprego por estar há seis meses sem receber salário. Segundo ele, o problema com os traficantes começou porque os bandidos queriam usar a casa, comprada por R$ 1.800, como refúgio.

¿ Eu não sabia, mas a antiga dona da casa tinha um filho bandido, que havia feito uma boca-de-fumo na casa. Os traficantes não queriam perder o local e, desde que chegamos, passaram a exigir que deixássemos pessoas que não conhecíamos ficar lá ¿ contou A..

A casa de A., segundo ele, foi invadida quando ele estava trabalhando numa feira no Centro. Os bandidos teriam esperado ele chegar para decidir o que seria feito com a família, que foi salva, segundo a polícia, porque a filha mais velha do casal, de 20 anos, moradora de outra favela, pediu ajuda. A equipe da Core conseguiu libertar os reféns, que estão agora na casa de parentes em local não informado. No fim de setembro, o grupo de elite da Polícia Civil foi acusado de executar duas pessoas no Morro da Providência.