Título: Multinacionais no banco dos réus
Autor: José Casado
Fonte: O Globo, 16/05/2005, O Mundo, p. 18

Famílias de sindicalistas mortos e torturados processam empresas acusadas de conivência

Empresas multinacionais, como a Ford e a DaimlerChrysler (antiga Mercedes-Benz), enfrentam ações judiciais na Argentina, nos Estados Unidos e na Alemanha movidas por familiares de sindicalistas que foram presos dentro das suas fábricas argentinas, durante a ditadura militar (1976-1983). Pelo menos 16 empregados dessas indústrias "desapareceram" e as montadoras são acusadas de conivência. Na fábrica da Ford argentina teria funcionado um centro de tortura. Na Mercedes "desapareceu" toda a comissão sindical de 15 operários.

As empresas alegaram em todos os tribunais que não têm responsabilidade nem foram coniventes. Mas um grupo de acionistas da DaimlerChrysler tenta na Justiça forçar os administradores a esclarecerem os casos. Na próxima quinta-feira, um tribunal federal de Buenos Aires volta a examinar as denúncias contra a Ford.

Em Foz do Iguaçu, a direção da Itaipu Binacional informou estar buscando os arquivos da estatal, que durante 15 anos cooperou com a polícia política de Brasil, Paraguai e Argentina.

- Tenho esperança de que no Paraguai ainda exista alguma coisa, mas o acesso é difícil - comentou o diretor jurídico, João Bonifácio Cabral.

Parte desses arquivos foi localizada pelo ex-preso político Aluizio Palmar na Polícia Federal em Foz. Eles revelam que o serviço de segurança de Itaipu espionou operários e vigiou opositores de todas as ditaduras do Cone Sul - entre eles, o médico Agostín Goiburú, que vivia na região e foi assassinado em 1977.

Cerco e prisão na linha de montagem

Em 13 de abril de 1976, três semanas após o golpe na Argentina, o metalúrgico Pedro Troiani trabalhava na linha de montagem da Ford quando foi cercado por soldados e fuzis. O coronel Antonio Molinari mandou levá-lo ao vestiário do campo de futebol da fábrica. Ali, Troiani encontrou cinco metalúrgicos - como ele, delegados sindicais. Mãos amarradas com arame, foram interrogados e espancados.

Naquele dia, a Embaixada dos Estados Unidos remeteu a Washington um informe sobre como as grandes empresas da Argentina estavam lidando com seus "problemas trabalhistas".

"Operações tartaruga" marcavam o compasso nas montadoras Renault e Mercedes-Benz, dizia o telegrama. Tropas ocuparam a General Motors e "um oficial militar 'convenceu' os trabalhadores" a suspender o protesto contra reduções salariais, já autorizadas pelo governo. Na Ford imperavam "indisciplina com a gerência" e "sabotagens". A embaixada registrou queixas de executivos das empresas. Eles achavam que a Junta Militar estava "lenta na repressão", salvo em casos de descontrole - "como na GM".

Anoitecia quando o coronel Molinari transferiu seus prisioneiros dos vestiários da Ford para a delegacia de Tigre, um dos centros de tortura. Ao chegar, Troiani contou 25 pessoas: sindicalistas da Ford, da Alimentos Terrabusi e do estaleiro Artasa.

Prisões dentro das fábricas se tornaram rotina. As listas de "desaparecidos" engordaram com mais 19 operários da cerâmica Lozadur, "caminhões de prisioneiros" na usina de álcool Ledesma, em Jujuy, e outras "200 pessoas - muitos operários da Siderca (atual Techint)".

Mais tarde, em 1978, a embaixada americana confirmou em documentos a "grande cooperação" dos executivos de empresas com órgãos de segurança. O objetivo - descreveu - era "eliminar terroristas infiltrados" nas fábricas e "minimizar o risco de greves". O regime se movia conforme o general Íbero Saint-Jean, governador de Buenos Aires, anunciara em 1976: "Primeiro mataremos os subversivos, depois seus colaboradores, seus simpatizantes e, por fim, os indiferentes."

COLABOROU: Roberta Canetti

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