Título: CIDADE REBELDE É ISOLADA POR TROPA UZBEQUE
Autor:
Fonte: O Globo, 16/05/2005, O Mundo, p. 20

Moradores de Andijan procuram mortos, que podem chegar a 500. Novos focos de crise surgem em outros lugares

ANDIJAN, Uzbequistão. A cidade de Andijan, no Uzbequistão, estava ontem praticamente isolada do mundo, cercada por veículos blindados e caminhões militares, três dias após uma revolta reprimida com violência pelo governo de Islam Karimov. Testemunhos que começaram a surgir no fim de semana contam que mulheres e crianças foram "abatidos como coelhos" por soldados, que não teriam hesitado em disparar contra policiais feitos reféns. O número de mortos pode chegar a 500. Duas mil pessoas teriam ficado feridas.

Moradores da cidade, no leste do país, passaram o domingo enterrando ou procurando corpos de parentes. Mas hospitais e necrotérios improvisados eram vigiados por militares e poucos podiam entrar. A maioria dos jornalistas foi expulsa da cidade e não há um número preciso das mortes. Segundo Saidzhakhon Zaidabitdinov, militante de direitos humanos, foram 500. Já o governo fala em 30.

A revolta veio após a prisão de empresários muçulmanos acusados de extremismo. Manifestantes invadiram um prédio da prefeitura e libertaram prisioneiros de uma cadeia. Os primeiros a morrer foram policiais capturados pelos rebeldes e usados como escudo humano.

- Cerca de dez policiais foram colocados na frente da multidão - contou um empresário, acrescentando que veículos blindados bloqueavam o caminho. - Os policiais imploravam: "Não atirem! Não atirem!" Mas os soldados abriram fogo.

As pessoas entraram em pânico, enquanto soldados atiravam dos telhados.

Moradores desafiam autoridades em Kara-Suu

Na madrugada de sábado, começou a remoção de corpos. Segundo uma testemunha, feridos que tentavam escapar eram executados. Apesar de Karimov, que governa o país desde 1991 com mão-de-ferro, ter declarado que proibiu que atirassem em mulheres, crianças e idosos, vários podem ter sido mortos.

- Os corpos de mulheres e crianças foram os primeiros a ser removidos. Não consegui contar os mortos. Eram centenas - disse um motorista.

Na Grã-Bretanha, o chanceler Jack Straw denunciou "um claro abuso aos direitos humanos".

Milhares fugiram da cidade, sob tiros de soldados, contou uma agência russa. Mais de quatro mil se concentram em Kara-Suu, onde explodiu um novo foco de crise. Segundo a BBC, moradores agrediram o prefeito, que se recusou a reabrir a fronteira com o Quirguistão. A multidão pôs fogo na sede da polícia, da polícia rodoviária e do fisco - os três principais representantes do governo central - e está reconstruindo duas pontes sobre o Rio Shahrijansay, que divide a cidade em duas: parte no Uzbequistão e parte no Quirguistão.

Em Tefektosh, um grupo de homens armados matou oito soldados numa emboscada e fugiu para o Quirguistão.

Legenda da foto: NUM CEMITÉRIO de Andijan, homens carregam o corpo de um manifestante morto na revolta