Título: Péssima hora
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 17/05/2005, O Globo, p. 2

Quando a corrupção mostra seus dentes, tudo se torna mais complicado para qualquer governo, mesmo se a hora é boa. Esse caso escabroso revelado pela revista ¿Veja¿, envolvendo o PTB e a administração dos Correios, pega o governo Lula num momento delicado, em que o presidente Lula se joga pessoalmente no esforço para recompor seu fragilizado esquema político.

Um dilema está imediatamente posto para o governo. De um lado, precisa ser agressivo na comunicação com a sociedade, apresentando o episódio como isolado e procurando passar a mensagem de que não será tolerante com os desvios de conduta. É o que se tem feito desde domingo com a divulgação de investigações pela Polícia Federal e Controladoria Geral da União. De outro, precisará demonstrar alguma solidariedade ao PTB, um partido do qual ainda dependerá muito. Mas até ontem não se viu qualquer gesto ou declaração nesse sentido.

A reaproximação com o PL e com o PTB, partidos que compunham o centro da coalizão original de Lula, juntamente com o PT e os partidos de esquerda, está ou estava nos planos de Lula e seus formuladores. O PMDB não entrou para o governo no primeiro momento, embora o ministro Dirceu tenha negociado sua participação no primeiro Ministério. Foi desautorizado por Lula. Só no ano passado o PMDB finalmente entrou para a aliança, ganhou dois ministérios e garantiu a eleição de Renan Calheiros para a presidência do Senado. Passou a ser visto como aliado preferencial que poderia até dar o vice de Lula na chapa da reeleição. Mas nem por isso a sustentação do governo no Congresso melhorou. Pelo contrário, piorou, mas não apenas por conta das ambiguidades do PMDB. Outros erros, do PT e do governo, que culminaram na eleição de Severino Cavalcanti para a presidência da Câmara, criaram a situação insólita de hoje: teoricamente o governo tem uma vasta base mas é obrigado até a boicotar as votações para não sofrer derrotas. Os aliados foram perdendo o pudor de trair e de votar contra o governo, alegando desequilíbrios na distribuição de cargos e a desconsideração do PT. Uma das providências recentes do presidente Lula foi pedir um levantamento completo da distribuição de cargos entre os partidos para ver quem tem razão. Pois sabe que muitos traem e votam contra o governo apesar de terem sido bastante contemplados.

A fita que mostra o recebimento de propina por um funcionário dos Correios que se diz ligado ao presidente do PTB, Roberto Jefferson, joga areia grossa no plano de restauração da coalizão. Se o PTB arder sozinho na fogueira, e Jefferson chegar a ser investigado pelo Conselho de Ética, ou se for instalada a CPI que a oposição já cogitava ontem, esta relação estará para sempre perdida. E nem por isso o governo ficará isento de desgaste, pois já tem neste momento o presidente do Banco Central e o ministro da Previdência sendo investigados. A verdade é que um caso de corrupção, dentro de um governo, jamais será visto como obra isolada deste ou daquele partido. Todo o governo, e não apenas o PT, pagou pelo caso Waldomiro. Mas naquele tempo, a base ainda era unida e Lula ainda tinha três anos de mandato pela frente. Agora, tem uma coalizão em frangalhos, problemas com o Congresso e a reeleição pela frente.