Título: Avanço da corrupção preocupa especialistas
Autor: Flavio Freire e Chico Otavio
Fonte: O Globo, 17/05/2005, O País, p. 10

Cientistas políticos criticam governos pela lentidão da resposta aos escândalos políticos que abalam o país

SÃO PAULO e RIO. A escalada de escândalos políticos, sem a reação esperada pela sociedade, representa um risco para a democracia brasileira, alerta o cientista político mineiro Fábio Wanderley Reis, professor emérito da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Ele disse que, num país com uma população com pouca identificação com a democracia, é preocupante o surgimento de campanhas pregando o voto nulo ou a renovação total do Congresso em 2006.

Fábio Wanderley lamenta principalmente a passividade do governo federal:

¿ Desde o caso Waldomiro, o governo tem demonstrado certa paralisia para enfrentar os escândalos. O PT, que tinha a imagem de um partido ético, que não tergiversava, ficou exposto a um quadro muito negativo. Não há uma resposta ao que a opinião pública espera. A lentidão já prejudicou a suposta singularidade do partido quanto a seus princípios éticos. Não dá para ser mais ou menos ético.

Já o cientista político e catedrático em filosofia pela Universidade de São Paulo (USP) José Arthur Giannotti diz que os partidos têm agido a exemplo de facções criminosas, ao mesmo tempo que a tolerância à imoralidade política diminui no país. Os atuais escândalos de corrupção, segundo ele, mostram a fraqueza de governos para inibir os riscos:

¿ Os escândalos se justificam com a proximidade das eleições. A impunidade é tanta que muitos não se intimidam.

Gianotti: suspeitos devem afastar-se

Gianotti defendeu o afastamento sumário de dirigentes governamentais enquanto eles passam por investigações nas mais diferentes instâncias jurídicas e legislativas.

¿ As figuras do governo estão manchadas. O presidente do Banco Central (Henrique Meirelles) e o ministro Romero Jucá (Previdência) estão precisando se explicar. Com isso, a convivência entre governo e suspeitos prejudica cada vez mais o sistema político brasileiro ¿ diz Gianotti, para quem o trabalho do Ministério Público e da mídia tem tido função essencial na apuração de irregularidades.

Na análise do cientista político Rubens Figueiredo, presidente do Centro de Pesquisa e Comunicação (Cepac), a fragilidade dos mecanismos de controle do dinheiro público, somada ao fortalecimento de instituições como imprensa e polícia, explica a crescente onda de corrupção trazida à tona nos últimos anos. Para ele, a chamada ¿era dos escândalos¿ justifica-se ainda pelo fato de as investigações terem sido ajudadas pela tecnologia.

¿ A corrupção é hoje alvo de câmeras escondidas, gravações e interceptações telefônicas. Ao mesmo tempo em que levou medo, essa vigilância aumentou a visibilidade sobre o trabalho de quem apura as denúncias ¿ lembra ele.

Segundo ele, a criação de leis cuja discussão no Congresso permitiu uma série de alterações contribui para procedimentos irregulares.

¿ A Lei 8.666 (de licitações públicas) contém uma série de mecanismos para ser burlada. É um processo que deveria ter o máximo de proteção, já que trata de interesse exclusivamente público ¿ diz ele.

Já o diretor-executivo da Transparência Brasil, Cláudio Weber Abramo, diz que embora o país tenha evoluído no que diz respeito à legislação eleitoral, alianças políticas que permitem maior governabilidade abrem brechas para o aproveitamento do cargo público para fins privados.

¿ É o tipo de coisa que abre cada vez mais espaço para os aventureiros ¿ diz ele.

Segundo Abramo, a distribuição de poderes entre o Executivo e o Legislativo permite acordos para evitar oposição sistemática.