Título: Condenada censura a reportagem sobre corrupção
Autor: Evandro Éboli
Fonte: O Globo, 17/05/2005, O País, p. 11

Entidades reagem à decisão de desembargador que impediu TV de mostrar pedido de propina a governador de Rondônia

BRASÍLIA. Entidades e autoridades do Judiciário reagiram com indignação ontem à decisão do desembargador Gabriel Marques, do Tribunal de Justiça de Rondônia, de proibir a exibição em Rondônia da reportagem do ¿Fantástico¿ que mostra deputados estaduais pedindo propina ao governador Ivo Cassol (PSDB) para não aprovar o impeachment dele na Assembléia Legislativa. A reportagem da Rede Globo só não foi exibida em Rondônia.

O procurador-geral da República, Claudio Fonteles, criticou a decisão judicial:

¿ É lamentável. É fundamental que as informações circulem. Qualquer tentativa de retorno da censura é condenável e não pode ser aplaudida nem tolerada ¿ disse.

O presidente da Associação Nacional dos Jornais (ANJ), Nelson Sirotsky, classificou a decisão judicial que proibiu a exibição da reportagem de ¿esdrúxula e inconstitucional¿. Sirotsky afirmou que o país tem assistido indignado a seguidas decisões judiciais que significam a ¿censura prévia¿ no país.

¿A decisão é mais uma afronta ao direito de informar e de ser informado. É lamentável e preocupante que setores do Poder Judiciário estejam promovendo a volta da censura no Brasil, que todos acreditavam extinta com o fim dos anos negros do autoritarismo¿, afirmou o presidente da ANJ, em nota oficial.

A Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) também reagiu à decisão da Justiça. Em nota, a entidade lembra outros dois casos de decisões judiciais que considera censura aos meios de comunicação: a condenação do comentarista esportivo Jorge Kajuru e a apreensão do livro do jornalista Fernando Morais sobre a história da agência de publicidade W/ Brasil. ¿Ao exorbitar seus poderes, a Justiça traz enormes prejuízos às empresas de comunicação e aos jornalistas profissionais. Mas a maior prejudicada é a população, nesse caso a de Rondônia, que teve restringido e desrespeitado seu direito à livre informação¿, afirma a Fenaj.

Rondônia foi o único estado que não exibiu a reportagem

O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Roberto Busato, disse que a decisão quebra o princípio da isonomia, já que Rondônia foi o único estado onde a reportagem não foi exibida.

¿ O bem maior é o bem da informação ¿ disse Busato.

A seccional da OAB em Rondônia também repudiou a censura à reportagem. Em nota, a OAB de Rondônia reafirma sua crença na prevalência do estado democrático de direito, ¿com independência e harmonia entre os Poderes, obedecendo-se os princípios constitucionais, fazendo preponderar o interesse público. Diante disso, urge que os princípios que regem a administração pública sejam respeitados, principalmente no que concerne à moralidade, impessoalidade e eficiência¿, diz o texto.

O governador Ivo Cassol reúne-se hoje com o ministro interino da Justiça, Luiz Paulo Barreto, em Brasília, para pedir abertura de inquérito na Polícia Federal para apurar sua denúncia contra os deputados estaduais num esquema de cobrança de propina. Cassol vai entregar dez fitas com as gravações em que deputados aparecem pedindo dinheiro. O próprio Cassol filmou as conversas.

Na noite de domingo, em várias cidades do interior de Rondônia, faltou energia elétrica. Manifestantes foram às ruas protestar contra a proibição de exibição da reportagem. Ontem ocorreram novos protestos, em frente à Assembléia Legislativa e ao Tribunal de Justiça. Manifestantes gritavam palavras de ordem contra a decisão e rasgavam a Constituição, num ato simbólico de atentado à liberdade de imprensa.

O presidente da Assembléia Legislativa de Rondônia, Carlão de Oliveira (PFL), disse em Porto Velho que lamenta a forma como o governador usou as fitas para escapar da denúncia do crime de responsabilidade. Segundo Carlão, as imagens de deputados pedindo propina foram gravadas há dois anos.

¿ Foi uma forma de pressão do governador para inibir a ação dos deputados estaduais ¿ disse Carlão Oliveira.

Denúncia contra Cassol será votada amanhã

O presidente da Assembléia Legislativa disse que está confirmada para amanhã a leitura e votação do relatório da Comissão Temporária Especial, que analisa a denúncia de crime de responsabilidade orçamentária contra Cassol. A relatora do caso, deputada Ellen Ruth (PP), considera procedente a denúncia. Cassol foi denunciado na semana passada pelo Ministério Público ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) por supostas irregularidades quando era prefeito de Rolim Moura (RO), entre 1998 e 2002.

Com uma câmera escondida, o governador gravou os deputados estaduais Ronilton Capixaba (PL), Daniel Neri (PMDB) e Ellen Ruth (PP). Eles teriam pedido cerca de R$50 mil para cada para aliviar as denúncias contra o governador.