Título: CUIDADO COM O E-MAIL
Autor: Carolina Brígido
Fonte: O Globo, 17/05/2005, Economia, p. 19

TST considera legal empresa fiscalizar 'de forma moderada' mensagens do empregado

Uma decisão inédita do Tribunal Superior do Trabalho (TST) estabeleceu que o patrão tem o direito de fiscalizar mensagens enviadas e recebidas pela caixa de correio eletrônico que a empresa oferece ao funcionário, desde que "de forma moderada, generalizada e impessoal". O procedimento foi autorizado como método de obtenção de provas para justificar uma demissão feita pela HSBC Seguros Brasil S.A. A partir do rastreamento do e-mail de um funcionário, descobriu-se que um dos integrantes da filial de Brasília utilizava o correio corporativo para fins pornográficos.

O empregado costumava enviar aos colegas fotos de mulheres nuas. Em sua defesa, alegou que, ao rastrear o e-mail, a empresa violou sua intimidade e privacidade. Também argumentou que a prova para justificar sua demissão foi obtida de forma ilícita. Os motivos não foram aceitos pelos magistrados. Por unanimidade, a Primeira Turma do TST decidiu que, como o equipamento e a tecnologia foram entregues pela empresa para fins de trabalho, não seria permitida a utilização pessoal.

"Não haveria qualquer intimidade a ser preservada, posto que o e-mail não poderia ser utilizado para fins particulares", explicou o relator do caso, ministro João Oreste Dalazen.

Ele esclareceu ainda que a senha para acesso ao sistema não pode ser interpretada como uma forma de proteção para evitar que o empregador tenha acesso ao conteúdo das mensagens, como argumentou o empregado demitido. Segundo o magistrado, a senha serve apenas para que o empregador evite o acesso de terceiros às informações da empresa.

O funcionário foi demitido em maio de 2000 e chegou a conseguir a anulação da justa causa, em primeira instância, alegando a garantia constitucional de inviolabilidade da correspondência. O trabalhador conseguiu o direito de receber a multa rescisória. No entanto, a seguradora recorreu ao Tribunal Regional do Trabalho (TRT) do Distrito Federal e saiu vitoriosa. O TST manteve essa decisão - que ainda pode ser contestada no plenário do próprio TST e no Supremo Tribunal Federal (STF).

No Brasil, assim que foram instituídos os e-mails corporativos, os juízes consideravam as mensagens dos funcionários invioláveis. Julgavam os casos por analogia à inviolabilidade das correspondências. Nos últimos anos, esse entendimento foi modificado pelos tribunais trabalhistas estaduais. Ontem, foi a primeira vez que o TST analisou o assunto. A decisão servirá de parâmetro para outras ações semelhantes.

Dalazen enfatizou que os direitos do cidadão à privacidade e ao sigilo de correspondência, assegurados pela Constituição Federal, dizem respeito apenas à comunicação estritamente pessoal, e não às mensagens enviadas e recebidas em nome da empresa. A opinião é a mesma de um ministro do STF consultado pelo GLOBO:

- A situação é ambígua, mas é muito difícil configurar a quebra da privacidade, porque o trabalhador estava usando um bem da empresa para fins diferentes do trabalho.

O advogado Renato Opice Blum, especialista em direito eletrônico, concordou com a decisão do TST. Ele disse que, conforme o artigo 932 do Código Civil, os atos do empregado durante sua jornada de trabalho podem gerar responsabilidade conjunta da empresa. Portanto, se um trabalhador envia um e-mail ofensivo, a empresa também pode ser responsabilizada.

A advogada Nadia Demoliner Lacerda, especialista em direito do trabalho, também concordou com a decisão do TST. Porém, ela ponderou que, como não existe ainda legislação para disciplinar o tema, seria saudável que as empresas deixassem claro, ao admitir um funcionário, que podem rastrear o e-mail corporativo.

A Força Sindical, porém, discordou dos especialistas. Em nota, a entidade repudiou a decisão do TST e considerou a permissão às empresas "uma agressão à liberdade individual que, guardadas as devidas proporções, é semelhante à revista íntima feita pelo empregador no horário de saída dos funcionários".

Segundo o secretário nacional de Comunicação da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Antonio Carlos Spis, a entidade é contra o rastreamento indiscriminado pelas empresas dos e-mails de seus funcionários:

- As empresas podem desviar esse tipo de rastreamento para uma vigilância de caráter ideológico.

COLABOROU Ronaldo D'Ercole

'As empresas podem desviar esse tipo de rastreamento para uma vigilância de caráter ideológico'

ANTONIO CARLOS SPIS

Secretário nacional da CUT