Título: Inflação pode cair
Autor: Míriam Leitão
Fonte: O Globo, 17/05/2005, Economia, p. 20

A inflação medida pelo IPCA está alta e, na semana passada, levou o acumulado de 12 meses para 8%, um número que, se mantido, fica acima do teto da meta. Já no IGP, veio um sinal diferente: os preços agrícolas no atacado tiveram uma forte deflação no mês passado. Juntando os dois sinais contraditórios, o professor Luiz Roberto Cunha está dividindo a inflação em dois grupos: a velha e a nova. Itaipu está vendendo energia 31% mais barato do que há dois anos, mas o consumidor não viu a cara desta queda.

A velha inflação está nos índices de preços ao consumidor. O IPCA chegou a registrar 0,87% em abril. O IGP-DI de abril caiu para 0,51% depois de ter registrado 0,99% em março. Um sobe e o outro cai. Isso porque um reflete mais o passado e o outro, o futuro.

Estão batendo nos preços vários choques deste começo de ano. O país enfrenta uma pesada quebra de safra. Está colhendo 18 milhões de toneladas a menos que o previsto, segundo a Conab, e isso se reflete nos preços. Ainda que a gasolina não tenha tido aumento este ano, óleo combustível e querosene de aviação subiram muito. Outro choque é o de tarifas que estão subindo em percentuais bem maiores que a inflação ao consumidor.

- Os índices de preços estão carregando a quebra de safra, os aumentos de ônibus, os de energia, e a alta das commodities no começo do ano, que já se reverteu, mas bateu nos preços - analisa o professor Luiz Roberto Cunha.

Na energia, há um mistério: a queda do dólar deveria permitir aumentos menores nos índices de preços. Principalmente para empresas que compram energia de Itaipu. A estatal binacional está vendendo energia 31% mais barato em relação ao preço do começo do governo Lula. O quilowatt estava a R$63,75 em 31 de dezembro de 2002 e está agora em R$47,33. A empresa calcula os seus preços em dólar e o câmbio está em queda. Ela elevou os preços em dólar, mas empresas pagam em reais e, na moeda brasileira, o preço está caindo. O distinto público não viu ainda a cara desta queda na conta nossa de cada dia. Pelo contrário, a Aneel tem aprovado aumentos fortíssimos, acima de 20% em muitas distribuidoras. A energia de Itaipu abastece quase 30% das necessidades do país e, pelo menos nessas áreas, os índices deveriam ter sido menos salgados, até porque o principal item de custo das distribuidoras é a matéria-prima. Em julho, haverá uma decisão importante: a da Eletropaulo. A expectativa é de que os reajustes tarifários não sejam tão altos quanto os de outros estados. A Celpe, em Pernambuco, teve um aumento de 26%. O menor reajuste aprovado pela Aneel foi de 18%, para a Cemig.

No primeiro trimestre, o IPCA ficou mais ou menos no mesmo percentual do ano passado (1,79% contra 1,85%). No segundo semestre, Luiz Roberto Cunha acha que a inflação este ano pode chegar a 2%. No ano passado, foi 1,6%:

- Mas, no segundo semestre do ano passado, a inflação teve uma alta muito forte. Este ano, o segundo semestre tende a ser bem melhor do que em 2004. Há apenas um complicador: a entressafra vai pressionar porque este ano houve quebra de safra. Mas a queda do câmbio pode ter um efeito positivo nos preços.

A inflação ao consumidor deve, nos próximos meses, refletir a queda que já está aparecendo nos preços por atacado. No IPA de abril, houve queda de 5,75% no preço da soja, 2,49% no do café, 8,31% no da carne suína, 11,99% nos preços dos ovos, 2,42% no de aves e 2,12% no de carne bovina. Isso fez com que, no geral, os preços agrícolas caíssem 1,60%.

Preços agrícolas no atacado são mesmo voláteis, mas quedas tão fortes, como as que foram constatadas pelo IPA, devem se refletir nos índices de preços ao consumidor. Luiz Roberto Cunha acredita que o IPCA de maio pode ser 0,60% e o de junho 0,40%.

- Se ficarem nestes percentuais e se o segundo semestre for de menos pressão, o IPCA pode terminar o ano em 6,5% - calcula o professor da PUC.

Essa discussão é importante porque, a partir de hoje, o Banco Central estará reunido para discutir novamente a taxa de juros. A alta da inflação a curto prazo pode levá-lo a subir os juros novamente. Se o BC olhar para a frente, verá a tendência de queda dos índices e, na sua própria projeção, convergência da inflação para a meta no médio prazo. Essa é a chance de os juros não subirem: um olhar para a frente na nova inflação, que já começou a ceder.

inclui quadro: energia mais barata