Título: O lugar do tumor
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 18/05/2005, O Globo, p. 2

Alguma coisa acontece quando o plenário da Câmara é capaz de fazer silêncio para ouvir um discurso. Ao silêncio se somava ontem, durante o discurso de defesa do deputado Roberto Jefferson, a eletrizante tensão que marca os momentos graves na Casa. Palavras e sinais não deixam dúvida: se houver a CPI mista dos Correios, o governo será ferido, mas o Congresso, muito mais.

A CPI tem grandes chances de sair, embora o desenlace vá depender da resultante entre duas forças antagônicas, ambas levando em conta os interesses do próprio Legislativo.

Ou não estariam passando pela cabeça de muitos daqueles deputados de semblante contraído as lembranças da CPI do Orçamento, que levou à maior devassa interna promovida pela própria Casa, criando o ambiente que levou, inclusive, a uma cassação que ainda atormenta consciências, a do ex-presidente da Câmara Ibsen Pinheiro? A estes a CPI não interessa, e não vai aqui a presunção de que tenham todos o que esconder. CPIs ganham tentáculos e o Legislativo será a ponta mais vulnerável, se investigadas suas relações com o Executivo.

Mas há também um outro sentimento forte no Congresso, o de que o conjunto dos acontecimentos recentes e nem tão recentes trabalham contra a imagem de um Legislativo que vem perdendo a confiança da sociedade a passos largos. Teria chegado a hora de regir. Já não estaria em causa apenas as acusações contra Jefferson, que contou serenamente na tribuna uma história plausível. Teve seu nome usado indevidamente, e muitos da própria oposição sabem que isso acontece nos desvãos da burocracia onde a corrupção consegue penetrar. A fita em que se baseou a reportagem da revista "Veja" - em que um funcionário recebe propina alardeando integrar um esquema por ele comandado - teria sido obra de empresários que tiveram interesses contrariados - o que não suprime a existência de algo podre nos Correios. Mas a lama grossa sobra é para o Congresso, que vem acumulando saldos negativos com atos corporativistas, clientelistas e nepotistas.

- Quem não assinar, acabará sendo apedrejado. É preciso saber quem é quem, porque o Congresso é um dos pilares da democracia - diz nesta linha o presidente do PFL, senador Jorge Bornhausen.

O escândalo federal coincide com o de Rondônia, onde deputados estaduais também foram mostrados, pelo "Fantástico", tentando achacar o governador Ivo Cassol em troca de apoio político. No imaginário popular, tudo é legislativo e, por isso, teria chegado a hora de reagir com CPI.

- Aos que dizem que a CPI é um risco, eu digo que é um risco positivo. O Congresso precisa dar a volta por cima, ainda que precise sangrar para isso - diz o primeiro vice-líder tucano, Eduardo Paes.

Já os petistas que assinaram o requerimento para a CPI têm, como sempre, preocupação com suas próprias fotografias políticas. Assinaram sabendo que o governo também sangrará se a CPI sair.

Ao descer da tribuna, o acusado também empurrou a batata quente para o governo, ao anunciar que assinaria o requerimento. Estivesse o governo com sua base unida, com a coordenação política harmonizada, poderia enfrentar a CPI sem sustos e receios, por mais que a oposição tentasse usá-la como instrumento de luta política. Não faltaram avisos de que, quando menos se espera, surge um vento forte no Congresso e é preciso estar preparado. A ventania chegou e pegou o governo desprevenido.