Título: MENOS PRECONCEITO NA PROPAGANDA
Autor: Armando Strozenberg
Fonte: O Globo, 19/05/2005, Opinião, p. 7

Oterceiro milênio apanhou boa parte dos profissionais de comunicação de calças curtas. Publicitários, jornalistas, pessoal de marketing, há muita gente boa por aí que ainda não se acertou com o fuso da chamada sociedade da informação. Pudera. Girando em torno de um novo eixo, temos sido obrigados a requalificar conceitos e práticas. Mais que reaprender a fazer, como tanto se fala, temos que reaprender a pensar. Pensar comunicação.

O novo eixo, claro, é a globalização. E como toda nova ordem se faz preceder da desordem, ricos e pobres estão, ainda, a buscar seu novo lugar no mundo. Como na velha brincadeira da dança das cadeiras, não há lugar para todos. Quando a música pára, alguém fica de fora. Um doce para quem adivinhar quem sobra!

Metáforas à parte, são muitos os dilemas que a globalização impõe aos profissionais de comunicação. Falar em globalização, afinal, é falar em sociedade da informação e, forçosamente, de comunicação. Só que não aquela comunicação que nos acostumamos a reconhecer como tal ¿ conjunto de conceitos, recursos e ferramentas que organiza a informação ¿ mas uma outra, nova, que emerge da rearrumação global mais ampla, mais plural, mais forte.

Mais ampla, porque se apropria de múltiplas técnicas e ferramentas, além de estar em praticamente todos os campos de conhecimento e de atividade. Mais plural porque, desconhecendo fronteiras, alcança públicos antes inalcançáveis e precisa atuar na diversidade para lograr eficiência. E mais forte porque se deslocou para a primeira divisão de poder de qualquer estrutura institucional. Ter comunicação, fazer comunicação, trocar comunicação é tomar parte da sociedade da informação. É estar dentro, na brincadeira. Dançar a dança das cadeiras.

Na pauta desta nova comunicação mais ampla, plural e forte, que emerge da rearrumação global, é certo, está o uso das ferramentas em favor da redução do fosso que separa ricos e pobres no mundo e o direito de todos à informação, como prerrogativa de liberdade e acesso à educação e ao conhecimento. Está, ainda, o respeito à pluralidade e à diversidade étnica, religiosa, cultural e, de forma contundente, o compromisso com a inclusão social.

Nós, profissionais da área, não podemos ignorá-la, sob pena de perdermos o compasso do nosso tempo, perdermos capacidade de formular, criar, propor. Antes de constituir-se uma atividade comercial, a comunicação é um direito, alinhado a outros em debate na cena mundial, como o de acesso às patentes dos coquetéis da Aids ou ao software, essenciais à democratização da saúde e da educação. A comunicação é parte indissociável da nova cartilha social.

Nela, nos deparamos com um novo padrão de consumo. Foi-se o tempo em que o anúncio de automóvel vendia apenas automóvel e o de geladeira, apenas geladeira. Hoje, o que se vende é conceito, comportamento, atitude. Mais importante que as mercadorias que a Humanidade produz são os valores que esta Humanidade precisa produzir.

Trata-se de uma ressignificação daquilo que sempre entendemos por produto, mercado, consumo, consumidor. O salto de qualidade da propaganda do automóvel é o combustível alternativo, de combustão limpa, e a geladeira tem que oferecer o uso racional da energia, bem finito a ser preservado.

Esse parece ser o caminho da propaganda no mundo e, em especial, da propaganda brasileira. Não por acaso, e curiosamente, pesquisa realizada pelo Ibope com dois mil brasileiros das classes AB, C e D, para a Associação Brasileira de Propaganda (ABP), recém-saída do forno, revela que, para o público, os anúncios e comerciais que criamos estão menos preconceituosos. Em 2002, eram 19%, mas agora subiu para 30% os que não sabiam identificar, nem se lembrar, de nenhum grupo social que estivesse sendo discriminado pela propaganda brasileira. Também em 2002, 26% constatavam a ausência de pobres na nossa propaganda; hoje, esse contingente caiu para 15%.

Este caminho, porém, não podemos trilhar sozinhos. É preciso que não só os profissionais de agência, mas também executivos de marketing, assessores de imprensa, gerentes de recursos humanos compreendam isso. Afinal, a boa comunicação é integradora, especialmente quando se trata da formulação de conceito e estratégia. Será sempre melhor a comunicação que soma conhecimento, soma recursos, soma especialidades. Soma.

Esta é a agenda da comunicação do terceiro milênio. Não devemos nem podemos ignorar o imenso contingente que, hoje, está fora da brincadeira, seja porque não sabe as regras do jogo, seja porque sequer foi convidado para a festa. Mais que atributo, solidariedade e sensibilidade social são, hoje, exigência profissional. Porque um outro mundo sempre será possível.

ARMANDO STROZENBERG é presidente da Associação Brasileira de Propaganda (ABP).