Título: MARCHA DA REFORMA AGRÁRIA ACABA EM CONFUSÃO
Autor: Evandro Éboli e Roberto Stuckert Filho
Fonte: O Globo, 18/05/2005, O País, p. 13
PMs e sem-terra entraram em confronto em frente ao Congresso enquanto líderes do MST eram recebidos por Lula
BRASÍLIA. Depois de 17 dias de caminhada sem registro de incidentes, a marcha do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) chegou à Esplanada dos Ministérios e acabou em confusão. Enquanto o presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebia líderes do MST no Palácio do Planalto em clima bastante amistoso, sem-terra entraram em confronto com a Polícia Militar em frente ao Congresso.
O comando da PM informou que 18 soldados se feriram. Dois deles tiveram o nariz quebrado. Segundo o MST, pelo menos 32 manifestantes ficaram feridos. Nenhum em estado grave. O major Neviton Pereira Júnior, que comandou o policiamento, atribuiu o conflito à ação de um grupo reduzido de sem-terra.
- Foi minoria de cachaceiros - disse o major.
"Não vamos dar bola para a Polícia Militar", diz Stédile
Em discurso, João Pedro Stédile, líder do MST, acusou a PM de provocar os manifestantes. Stédile afirmou que a marcha foi marcada pela paz e tranqüilidade, asseguradas pela Polícia Rodoviária Federal, e que não seria maculada pela ação de PMs.
- Não vamos cair na provocação deles. Nossa luta é para melhorar a sociedade. Não vamos dar bola para a Polícia Militar - discursou Stédile, aplaudido pelos sem-terra.
A confusão entre PMs e sem-terra começou quando os manifestantes tentaram impedir um carro da polícia de passar numa das pistas de acesso ao Congresso, onde acontecia o ato. O carro passou e os manifestantes foram atrás. Um policial reagiu e foi agredido. O comandante chamou reforço e começou a confusão. Os policiais estavam de cassetete e foi utilizada a tropa da cavalaria. Houve enfrentamento por alguns minutos.
Os sem-terra atiraram pedaços de pau e cones nos policiais. Alguns exibiam facões. Somente após a chegada de parlamentares, entre eles os senadores Eduardo Suplicy (PT-SP) e Heloisa Helena (P-Sol), a confusão terminou. Durante o confronto, um helicóptero da PM fez um rasante sobre manifestantes, apontando armas para baixo.
A caminhada que antecedeu o ato foi marcada pela disciplina e protestos sem violência. O primeiro protesto ocorreu em frente à embaixada dos Estados Unidos, onde os manifestantes jogaram embalagens de produtos americanos, como sanduíche e refrigerante. As embalagens dos produtos foram queimadas.
Em frente ao Palácio do Planalto também houve tumulto entre PMs e sem-terra. Outro protesto ocorreu em frente ao Ministério da Fazenda. Os sem-terra fizeram críticas ao ministro Antonio Palocci, a quem acusam de reter a verba destinada à reforma agrária.
MST e governo divergem sobre liberação de verbas
No Planalto, o MST saiu do encontro com Lula dizendo que o governo vai liberar R$700 milhões do orçamento do Ministério do Desenvolvimento Agrário que estão contingenciados. Mas o ministro Miguel Rossetto não confirmou a liberação do dinheiro. Segundo ele, a decisão final sobre os pleitos do MST só será anunciada hoje.
Os líderes do MST disseram ainda que o governo teria garantido a realização de novo concurso do Incra para contratação de novos 1.300 servidores para a autarquia. Mas essa contratação também não foi confirmada pelo ministro.
Mais organização e menos comoção
Apesar da enorme infra-estrutura, marcha atrai menos gente
BRASÍLIA. Desta vez, a marcha dos sem-terra não despertou a mesma comoção da primeira caminhada do MST, em 1997. Na época, o protesto ganhou a adesão de sindicatos ainda sob o impacto da morte de 19 sem-terra em Eldorado dos Carajás, no Pará, um ano antes.
Na primeira marcha, o protesto do MST contra a política de reforma agrária do governo Fernando Henrique e pela punição dos PMs responsáveis pela morte dos sem-terra no Pará levou à Esplanada dos Ministérios 30 mil pessoas, segundo a PM, e cem mil, nas contas do MST. Na época, o próprio MST se encarregava da comida e da montagem das barracas.
Ontem, a marcha tinha cerca de 12.500 sem-terra, que foram levados de ônibus até Goiânia e de lá seguiram a pé para Brasília. Para organizar a marcha, o MST contou com ajuda financeira de R$400 mil do governo de Goiás.
Oficialmente, o MST não informa qual foi o custo total da marcha. Foi montada uma enorme infra-estrutura, que garantiu acampamento, alimentação, água e condições sanitárias para os participantes durante os 16 dias de caminhada entre Goiânia e Brasília. Já no Distrito Federal, o governo local garantiu a segurança, com a Polícia Militar acompanhando os deslocamentos dos manifestantes, e forneceu banheiros. Os sem-terra criaram até uma rádio, que mantinha os participantes informados. Somente ontem, em Brasília, foram usados cinco trios elétricos.
Legenda da foto: NO GRAMADO em frente ao Congresso Nacional, PMs e militantes do movimento entram em confronto