Título: Uma nova revolução está em marcha
Autor: Roberta Jansen
Fonte: O Globo, 18/05/2005, Especial, p. 2

FÍSICO BRASILEIRO ANTEVÊ ERA DE VIAGENS NO TEMPO E UMA NOVA FORMA DE COMPREENDER O COSMO

O FÍSICO MÁRIO NOVELLO sabe muito bem como é duro remar contra a maré. Principalmente, se a maré em questão é a do Big Bang, o famoso modelo sobre a origem do Universo. Hoje, a tese defendida por Novello, a do Universo eterno, prevalece. Porém, ele mais uma vez aposta na mudança e vê uma nova revolução em curso na física. A Humanidade poderá mudar, uma vez mais, a forma como vê a si mesma e ao mundo.

No ano passado, Novello ganhou o título de doutor honoris causa da Universidade Claude Bernard de Lyon - o último físico agraciado com o título foi o russo Andrei Sakharov (1921-1989), prêmio Nobel em 1975 e o mais famoso dissidente da ex-União Soviética. Ele divide seu tempo entre as pesquisas no Instituto de Cosmologia, Relatividade e Astrofísica do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas e os livros que escreve para não cientistas, como "Máquina do tempo" (Jorge Zahar Editor) e "Os jogos da natureza" (Campus/Elsevier).

Por muito tempo seu trabalho foi visto como herético. Você desafiava o conceito do Big Bang, a explicação mais difundida sobre a origem do Universo. O que mudou?

MÁRIO NOVELLO: Muitos estudos mostraram que a hipótese do Universo eterno é muito mais factível do que a de um Cosmo como o do Big Bang, com um início estabelecido há uns poucos bilhões de anos. Durante a década de 90 ficou claro que o Big Bang foi um começo, mas apenas dessa fase de expansão do Universo. O Big Bang não foi o início de tudo.

Por quê o Big Bang se tornou tão difundido?

NOVELLO: Porque é um conceito poderoso. Ele virou uma espécie de mito científico da criação. Substituiu o Paraíso, Adão e Eva por átomos e moléculas. A física trouxe a cosmogonia para a ciência.

Se o Big Bang não foi o início de tudo, o que havia antes?

NOVELLO: Há numerosos modelos. Mas eles concordam que antes do Big Bang havia o vazio. Mas esse vazio é o vazio de matéria, de tudo que chamamos indistintamente de coisas. Mas isso não vale para estrutura espaço-tempo. Por isso, pelas leis da gravitação, esse vazio primordial era instável e sujeito a colapsar. A matéria e a energia surgiram devido à interação gravitacional que fez o vazio colapsar. Foi o colapso do nada. Com a gravitação, o nada gerou tudo-o-que-existe.

Esses conceitos são muito complexos, distantes dos fatos cotidianos...

NOVELLO: Sim, é verdade. Uma parte da física está cada vez mais voltada para coisas que não fazem parte do cotidiano. Mas a física também nos impõe novos desafios. À medida que nosso conhecimento sobre o Universo e as leis que o regem aumenta, somos desafiados a mudar nossa visão de mundo. Nosso cérebro está treinado para pensar em matéria/energia e espaço/tempo. Mas a explicação sobre a origem do Cosmo que começa a emergir não se encaixa na nossa forma de pensar e à nossa linguagem.

Nos últimos anos temos visto a ciência se aproximar como nunca da ficção. Um dia seremos capazes de viajar no tempo?

NOVELLO: Teoricamente, é possível. Precisamos encontrar atalhos no espaço-tempo que os físicos apelidaram de buracos de minhoca. Hoje, não conseguimos nem chegar a alfa-centauro, a estrela mais próxima de nosso Sol. É uma distância praticamente impossível de percorrer. Mas se entrássemos num buraco de minhoca poderíamos chegar à alfa-centauro em segundos. Os atalhos viabilizariam não só viagens no tempo quanto a exploração do Universo. Parece ficção, mas hoje faz parte da ciência.

Como descobrir buracos de minhoca no Universo?

NOVELLO: Os buracos de minhoca são como máquinas do tempo capazes de nos transportar em viagens que levariam dezenas de milhares de anos, para o passado ou para o futuro, em segundos. Para achá-los, precisamos modificar certas conseqüências de algumas leis da física.

A física passa por uma nova revolução?

NOVELLO: A cosmologia está reformando nossa forma de ver o Universo. Temos dificuldade para perceber esta revolução porque estamos imersos nela. Precisamos aprender a pensar de maneira diferente, mas não sabemos ainda muito bem como.

Como é essa nova visão?

NOVELLO: É uma revolução que começou no final do século XX. Chegamos a fenômenos que não podem ser explicados pelas leis que conhecemos, que desafiam princípios básicos como os do eletromagnetismo tradicional. Talvez vá surgir um novo Einstein que nos ajude a entender melhor a nova estrutura que está em marcha.

Legenda da foto: MÁRIO NOVELLO: as fronteiras entre a realidade e a ficção nunca foram tão tênues, num mundo em que já é possível pensar em viajar no tempo