Título: A JORNADA DO PENSAMENTO QUE TOMOU TODA UMA VIDA
Autor: Roberta Jansen
Fonte: O Globo, 18/05/2005, Especial, p. 2

NADA RESTOU DA NOSSA ANTIGA VISÃO DA REALIDADE DESDE ALBERT EINSTEIN, AINDA CRIANÇA, DESCOBRIU QUE EXISTIAM NO MUNDO MISTÉRIOS QUE VALIA A PENA INVESTIGAR

QUANDO TINHA APENAS 5 anos, em 1884, Albert Einstein

percebeu subitamente que o mundo continha segredos. Foi quando ganhou de seu pai

uma bússola, que lhe causou espanto porque podia ser virada para qualquer direção sem

que a agulha deixasse de ficar sempre apontando para o norte.

Aquilo, contou ele muitos anos depois, foi o despertar de sua curiosidade intelectual.

A força invisível que comanda-va a agulha convenceu-o de que havia algo "por trás das

coisas aparentes". O mundo não era o que parecia ser.

Começou ali uma jornada intelectual que produziria uma completa transformação da nossa visão da realidade, a derrubada de conceitos mile-nares e a mais brutal e imprevisível derrota do senso comum. Nada mais adequado, por sinal, que o autor dessa façanha sem precedentes adotasse, como definição própria de senso comum, "a coleção de preconceitos que acumula-mosaté os 18 anos de idade".

A viagem foi tão longa quanto solitária. Quando Einstein publicou seu artigo revolucio-nário

"Sobre a eletrodinâmica dos corpos em movimento", em que expunha a Teoria Es-pecial

da Relatividade, jamais tinha conversado com algum

físico teórico - sobre qualquer assunto. Ele mesmo era

um completo desconhecido, que não ocupava qualquer posto em universidade. Ga-nhava

a vida como funcionário (assistente técnico de terceira classe) do Departamento

de Patentes da Suíça, em Berna, cargo que tinha obtido de-pois

de tentar em vão emprego de professor de física e matemática, tendo-se diplomado pela Escola Politécnica Federal Suíça em 1901. Mas quatro anos depois, com seus famo-sos

cinco artigos na prestigiosa "Annalen der Physik", ele desencadeou sua primeira grande revolução da Física. Já tinha vivido, antes, umarevolução pessoal. Em 1902 sua namorada, Mileva Maric tinha dado à luz uma menina, Lieserl, da qual não restam registros;

criada pelos pais de Mileva, consta que ela foi dada

para adoção. Albert e Mileva, que se casaram um ano depois, ao que parece jamais se

interessaram por saber do destino da filha, o que não os impediu de ter mais dois filhos,

Hans Albert e Eduard.

FOI EM 1908 que Einstein, àquela altura já detentor de imenso prestígio nos círculos científicos, ganhou seu primeiro posto acadêmico: privatdo-zent na Universidade de Berna. O que ganhava ainda não era o bastante para sustentar sua família, e por isso, a des-peito

da fama crescente, ele continuou funcionário do Departamento de Patentes. Finalmente,

em 1909, pôde se tornar cientista em tempo integral,o ser contratado como professor pela Universidade de Zurique. E no mesmo ano recebeu uma oferta ainda me-lhor

da Universidade de Praga, para onde se transferiu, ganhando

condições para o estudo e a pesquisa que oito anos mais tarde acabariam resultando numa nova e ainda mais espantosa revolução científica e no começo do fim de seu casamento.

Em Praga, Mileva se sentia solitária e deslocada; e, com razão, cheia de ciúmes da prima de Albert, Elsa Lowenthal, por quem ele mostrava grande afeição. O casamento começou a dedicação permanente à ciência fez de Einstein um marido indiferente e um pai distante, embora, curiosamente, sempre tenha demonstrado

gostar de crianças, paciente-mente respondendo a cartas de alunos que lhe pediam aju-da para resolver problemas elementares de álgebra.

OS PROBLEMAS pessoais, no entanto, não eram capazes de lhe perturbar a viagem intelectual, cujo resultado mais extraordinário surgiu em 1915, com a Teoria Geral da Relatividade.

Em síntese, é uma nova concepção da gravidade, que de um golpe resolve o velho problema da teoria newtoniana a incompreensível ação instantânea à distância com que um corpo atraía outro, idéia que sempre incomodou ao próprio Isaac Newton e esclarece certas perturbações na órbita de Mercúrio e o paradoxo da aceleração da gravidade constante, independente da massa dos corpos. A explicação de Einstein é de tão difícil compreensão que para muita gente, ainda hoje, matéria continua atraindo matéria na razão direta das massas...

Porque é difícil crer que matéria não atrai matéria, e sim provoca uma deformação no espaço (na realidade, no espaço-tempo, pois os dois conceitos já não mais podem ser considerados isoladamente).

A Terra não gira em torno do Sol, mas segue uma trajetória reta no espaço encurvado pelo Sol. Para físicos como Richard Feynman, se o raciocínio que conduziu Einstein à

teoria especial é perfeitamente claro, e ele foi apenas o pri-meiro a chegar onde mais ce-do

ou mais tarde outros seguramente chegariam, a teoria

geral é fruto de um gênio su-premo, e o insight que o levou à sua formulação, quase in-compreensível.

O restante da vida de Einstein, entretanto, foi de certa forma uma longa frustração.

Incapaz de aceitar o fim da causalidade implícito na me-cânica

quântica cuja base inicial, ironicamente, foi lançada por ele mesmo num dos artigos de 1905 buscou obsessivamente, sem sucesso, refutar a teoria. Estava convencido de que Deus não jogava da-dos com o Universo, como di-zia,

e tentou restabelecer o ve-lho determinismo. Até o fim da vida ele persistiu buscando a ordem que estaria escondida sob o caos aleatório da nova Física. Mas em vão: esse segre-do final por trás das coisas aparentes, se existe, continua oculto até hoje.

Cronologia

1879. Albert Einstein nasce em 14 de março em Ulm, Alemanha, filho de Hermann Einstein (1847-1902) e Pauline Koch (1858-1920).

1880. A família de Einstein se muda para Munique.

1895. É reprovado nos exames para a Escola Politécnica em Zurique, apesar dos resultados excepcionais em matemática e ciências (ele tinha 16 anos, dois a menos do que a idade normal para fazer o concurso). Estes resultados, no entanto, são suficientes para que um professor o convide a assistir suas aulas de física. Matricula-se na escola de Aarau, na Suíça.

1896. Renuncia à cidadania alemã, o que o dispensa de prestar serviço militar, diploma-se em Aarau e começa a estudar no Instituto Federal de Tecnologia de Zurique.

1901. Cidadania Suíça.

1902. Emprega-se no Escritório de Patentes de Berna.

1903. Casa-se com Mileva Maric (1875-1948), com quem tem dois filhos, Hans Albert (1904-1973), que torna-se engenheiro hidráulico, e Eduard (1910-1965), que é acometido de esquizofrenia.

1905. É o "Annus Mirabillis" de Einstein. Propõe a hipótese de que a energia da radiação eletromagnética está dividida em pacotes, os "quanta de luz", o que dá origem ao conceito de fóton, e daí, à física quântica moderna. Desta hipótese, Einstein cria uma expressão matemática para descrever o efeito fotoelétrico, no qual os elétrons são retirados de placas metálicas pela incidência de radiação (trabalho que lhe dará o Prêmio Nobel em 1921, depois da tese ser comprovada experimentalmente). Conclui sua tese de doutoramento sobre dimensões moleculares e faz uma análise do movimento que tornam possível confirmar experimentalmente a existência de moléculas e átomos. Cria a teoria da relatividade espacial e a famosa fórmula E mc¼

1915. Um ano depois do início da I Guerra Mundial, assina o "Manifesto aos Europeus", que repudia o militarismo alemão e propõe a criação de uma Liga das Nações.

1916. Publica um livro explicando a Teoria Geral da Relatividade e torna-se presidente da Sociedade Física Alemã.

1919. Divorcia-se de Mileva e casa com sua prima, Elsa Einstein Lowenthal (1876-1936). Um desvio da luz em um eclipse, observado por expedições em Sobral, no Ceará, e na Ilha de Príncipe, na África, confirmam suas idéias sobre a relatividade.

1922. Começa a trabalhar numa Teoria do Campo Unificado e recebe o Prêmio Nobel da Física relativo ao ano de 1921.

1924. Inauguração do Instituto Einstein com a "Torre Einstein" em Potsdan.

1932. É nomeado professor no Instituto para Estudos Avançados em Princeton

1933. Hitler chega ao poder na Alemanha, Einstein muda-se para os Estados Unidos

1936. Morte de Elsa.

1939. Com o início da II Guerra Mundial, Einstein envia carta ao presidente dos EUA, Franklin Roosevelt, avisando-o sobre a possibilidade da construção de bombas atômicas.

1940. Torna-se cidadão americano (mantendo a cidadania suíça).

1955. Em 18 de abril, morre em Princeton.

O vínculo que tem unido os judeus por milhares de anos e que os une ainda é acima de tudo um ideal democrático de justiça social"

Einstein em artigo publicado em 1938

É difícil espiar as cartas de Deus. Mas que ele tenha decidido jogar dados com a Humanidade é algo que não posso acreditar"

Einstein em carta a Cornelius Lanczos, em 1942