Título: ENCANTAMENTO, CALOR E ENFADO NO PAÍS TROPICAL
Autor: Roberta Jansen
Fonte: O Globo, 18/05/2005, Especial, p. 2

NA CURTA VISITA AO RIO, EM 1925, EINSTEIN SE DESLUMBROU COM A BELEZA DA CIDADE, MAS EM DIÁRIO DE VIAGEM SE MOSTROU IRRITADO COM O CLIMA E A INDOLÊNCIA DE SEUS HABITANTES. DE VOLTA À ALEMANHA, INDICOU O NOME DO MARECHAL RONDON PARA O PRÊMIO NOBEL DA PAZ

NÃO FOSSE UM PRECIOSO diário de viagem, a maratona de quase três meses pela América do Sul, incluindo oito dias no Rio, deixaria apenas a impressão de um Einstein afável e solícito a demandas de uma extensa e cansativa programação. Mas os sarcásticos comentários descritos dia a dia no pequeno caderno deram o verdadeiro tom do que foi a viagem para o cientista de 46 anos, que se sentia solitário no meio de tanta gente. "Todos dão uma impressão tropical amolecida. O europeu necessita de maior estímulo metabólico do que esta eterna atmosfera quente-úmida oferece", escreveu, horas após desembarcar no Rio no dia 4 de maio de 1925. Adaptação ao nosso clima, no entender do físico, deveria pressupor renúncia de agilidade:

"Do que vale a beleza natural e a riqueza? Penso que a vida de um escravo do trabalho europeu seja mais rica, sobretudo, menos utópica e nebulosa."

A contar pelas anotações, a visita desagradou ao cientista em muitos outros aspectos, além do calor. Não raro, seus anfitriões, a nata da incipiente ciência brasileira da década de 20, eram alvo de demérito."Sou um elefante branco para os outros; eles, para mim, tolos", desabafou no dia 6, após dar a primeira palestra sobre a Relatividade, no Clube de Engenharia.

Einstein tinha seus motivos. A platéia era formada por leigos e famílias inteiras que se comprimiam no salão abafado para ver e ouvir o cientista, naquela altura já muito famoso e Nobel de Física. As janelas foram abertas e o barulho da rua prejudicou a acústica. "Pouco sentido científico", resumiu. Em toda parte, era louvado com adjetivos laudatórios: sábio, ilustre, grande ou "um gênio com uma parcela da divindade", como estampou em manchete "O Jornal", de Assis Chateaubriand.

A turnê por Argentina, Brasil e Uruguai é minuciosamente relatada no livro "Einstein, o viajante da relatividade na América do Sul", do pesquisador Alfredo Tiomno Tomalsquim, diretor do Museu de Astronomia e Ciências Afins, que teve acesso ao diário de viagem do físico durante o seu pós-doutorado na Universidade Hebraica de Jerusalém. A vinda de Einstein concretizou-se após dois anos de negociações e foi patrocinada pela comunidade científica da Argentina, onde ficou cerca de um mês. Desta vez, ele viajou sozinho, sem a mulher, Elsa, possivelmente para esfriar a temperatura elevada por um relacionamento extraconjugal com a secretária Betty Neuman.

O cientista pisou duas vezes em solo carioca. A primeira, por poucas horas, na manhã de 21 de março, após 16 dias em alto-mar. Sua figura despojada, de terno branco de brim, contrastava com a de seus anfitriões, todos em cerimoniosos trajes escuros. Mas este primeiro contato com o Rio o deslumbrou. No Jardim Botânico, ouviu com atenção explicações do diretor Pacheco Leão sobre as propriedades do jequitibá.

"O Jardim Botânico, bem como a flora de modo geral, supera os sonhos das 1.001 noites. Tudo vive e cresce a olhos vistos. Deliciosa é a mistura étnica nas ruas. Português-índio-negro com todos os cruzamentos. Espontâneos como plantas, subjugados pelo calor. Experiência fantástica, uma indescritível abundância de impressões em poucas horas", anotou.

Porém, no regresso ao Rio, após passar por Argentina e Uruguai, o estado de espírito era outro, traduzido em puro cansaço. Na véspera do desembarque desabafou: "Tenho que subir ao trapézio outra vez. Com a ajuda de Deus, vou agüentar esses poucos dias de palhaçada. Depois, em compensação, virá uma linda longa viagem de volta."

- Todos queriam ver Einstein e suas conferências seguiam um padrão. Eram abertas ao público leigo, mas ele fazia um intervalo após 20 minutos. Só os interessados voltavam - afirma Tolmasquim.

Einstein subiu de bondinho até o Pão de Açúcar, foi ao Corcovado, comeu vatapá, descrito como prato de peixe picante, esteve com o presidente Arthur Bernardes. Visitou o Observatório Nacional, o Instituto Oswaldo Cruz e o Hospital dos Alienados, comandado por Juliano Moreira. E conseguiu aglutinar a dividida comunidade judaica.

Impressionado com o que ouvira sobre a obra do Marechal Rondon, na volta a Berlim, ele escreveu ao Comitê Nobel propondo o nome do brasileiro ao Prêmio Nobel da Paz: "Seu trabalho consistiu na integração de tribos indígenas à civilização humana sem o emprego de armas nem qualquer tipo de coerção", justificou. Einstein deixou o Rio não sem antes registrar em seu diário o fim da maratona: "Finalmente livre, porém mais morto do que vivo."

Conheça alguns dos eventos que marcam o Ano da Física no Brasil

CESAR LATTES: Em homenagem a Cesar Lattes, um dos mais renomados físicos do Brasil, que morreu este ano, foi montada a exposição "A descoberta do Meson PI", no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, no Rio de Janeiro, que pode ser vista até o dia 25. Composta de 24 painéis, a exposição conta a trajetória de 50 anos de pesquisa de Lattes, responsável pela descoberta da partícula píon, que acabou por ajudar a esclarecer a natureza de forças nucleares.

MULHERES E FÍSICA: Acontece entre os dias 23 e 25 a Segunda Conferência das Mulheres na Física (Iupap), no Rio de Janeiro. O evento, que será realizado no Othon Palace, reunirá pesquisadoras das instituições mais renomadas do mundo. A expectativa dos organizadores é que a conferência repita o sucesso de sua primeira edição, realizada em Paris no ano passado, que reuniu cientistas de 65 países.

BURACOS NEGROS: O Dia Nacional da Física. Será comemorado hoje no auditório do IFGW-Unicamp, com vários eventos e três palestras. A primeira é "O que é a relatividade de Einstein", que será ministrada pelo professor George Matsas, às 10h. A segunda, "Astrofísica de Buracos Negros" ministrada pelo professor João Steiner, às 14h, e a terceira, "Einstein 100" do Professor Moyses Nussenzveig, que acontecerá às 16h.

ASTRONOMIA: No dia 11 de junho acontece a 13ª Oficina de Física que tem como tema a Astronomia.Acontecerá no auditório do IFGW-Unicamp. O evento terá palestras que apresentarão o desenvolvimento da pesquisa na área da astronomia, nos seus aspectos históricos, básicos e observacionais. As Oficinas de Física são voltadas ao público leigo e principalmente para professores do Ensino Médio www.ifi.unicamp.br/extensao/x_activ.html.

Sujeitos são oradores veementes. Quando elogiam alguém, estão elogiando eloqüência. Acredito que essa tolice e irrelevância têm a ver com o clima"

Einstein, sobre palestra na Academia Brasileira de Ciências

Legenda da foto: ENCONTRO com cientistas no Observatório Nacional, na segunda etapa da viagem (foto maior). Ao lado, o cientista, no Jardim Botânico, entre Pacheco Leão (à esquerda) e o rabino Isaiah Raffalovich