Título: FUNCIONÁRIOS DENUNCIAM PRECARIEDADE NA MARINHA
Autor: Ana Claúdia Costa e Fernanda Pontes
Fonte: O Globo, 19/05/2005, Rio, p. 15

Segundo servidores civis, terceirização e sucateamento podem ter provocado acidente ocorrido em porta-aviões

Servidores civis da Marinha denunciaram ontem que a terceirização dos serviços feitos em navios e aeronaves, o sucateamento e a manutenção precária dos equipamentos podem ter sido a causa do acidente ocorrido na manhã de anteontem no porta-aviões São Paulo, no qual uma pessoa morreu e dez ficaram feridas por causa do rompimento de uma tubulação de vapor. Segundo Paulo César dos Santos Monteiro, diretor do Sindicato dos Servidores Civis nas Forças Armadas (Sinfa) e técnico de controle de qualidade no Arsenal de Marinha, a Marinha vem terceirizando os serviços de manutenção e de construção de navios. Ele disse que os profissionais contratados não têm preparo para suas funções:

- Os funcionários de manutenção terceirizados somam hoje 25% do total e não têm cursos de especialização como os servidores civis e militares, que até estudaram no exterior. Isso pode prejudicar as embarcações, como aconteceu com o submarino Tonelero (que foi a pique em 26 de dezembro de 2000).

Paulo César acrescentou que a Marinha costuma retirar peças de um navio para colocar em outro com defeito. O técnico de armamento Enedino Antônio da Costa Júnior fez coro com o diretor do sindicato. Segundo ele, a terceirização de serviço especializado pode ter levado à queda na qualidade do trabalho:

- A pane foi na rede de vapor e pode ter sido ocasionada por uma manutenção feita por pessoas não qualificadas.

Amigo de morto diz que ele criticava condições do navio

No enterro ontem do terceiro-sargento Anderson Fernandes do Nascimento, de 29 anos, que morreu no acidente no porta-aviões, Jailson Nicolau da Costa, de 38, compadre da vítima, disse que o militar criticava as condições do porta-aviões e estava com medo de navegar.

- Estivemos juntos no sábado e ele disse que não queria viajar porque o porta-aviões funcionava em condições precárias - afirmou.

Um militar amigo de Anderson, que não quis se identificar, contou que dois acidentes semelhantes deixaram marinheiros feridos no ano passado no São Paulo. A Marinha negou.

Ao tomar conhecimento das denúncias, o relações-públicas do I Distrito Naval, capitão-de-corveta Carlos Alberto Macedo Júnior, disse que somente o inquérito policial-militar (IPM) poderá dizer as causas do acidente. Ele afirmou, no entanto, que a Marinha jamais deixaria de fazer manutenção adequada em qualquer navio e que há um controle de qualidade rigoroso.

Cinco dos marinheiros que sofreram queimaduras no acidente continuam internados no Hospital Naval Marcílio Dias, no Lins. Em nota, a Marinha informou que os cabos Daniel Pires de Andrade e Erivelton dos Santos Coelho estão na Unidade de Pacientes Graves com queimaduras de segundo grau em diversas partes do corpo. O cabo José Roberto da Silva Bahia está na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI), também com queimaduras. Já o cabo Ângelo José de Moraes dos Anjos e o marinheiro Felipe Machado da Rocha encontram-se na Unidade de Tratamento de Queimados (UTQ). Eles também sofreram queimaduras de segundo grau, mas seu estado é estável.

No Cemitério de Inhaúma, o enterro de Anderson foi acompanhado por cerca de 300 pessoas, incluindo 90 militares da Marinha. Abalado, o pai do terceiro-sargento, o comerciante Ivan Fernandes do Nascimento, de 51 anos, contou que será recebido no porta-aviões. Segundo ele, a Marinha vai explicar as causas do acidente e entregar os objetos pessoais do filho.

No enterro também estavam a viúva de Anderson, Cristiane Drumond do Nascimento, de 23 anos, e o filho Yarlei, de 4. Moradores de Ramos, eles foram avisados do acidente por dois oficiais da Marinha que foram à sua casa. Anderson ingressou na Escola da Marinha, em Vila Velha, quando tinha 16 anos.

- Ele sempre gostou de trabalhar para a Marinha e nunca ouvimos reclamações dele.

Passeata reúne 400 servidores das Forças Armadas e dá nó no trânsito

Manifestantes reivindicam reajuste salarial e um plano de carreira

Cerca de 400 servidores civis das Forças Armadas - a maioria funcionários do Arsenal de Marinha em greve - fizeram ontem um protesto nas ruas do Centro para exigir reajuste salarial e um plano de carreira. A Avenida Rio Branco foi interditada pelos manifestantes. O engarrafamento se estendeu até a Avenida Brasil e a Linha Vermelha. Motoristas também enfrentaram trânsito lento nas avenidas Francisco Bicalho e Presidente Vargas e no Elevado Paulo de Frontin. Um outro protesto, de funcionários da Cedae contra a privatização da companhia, agravou o congestionamento.

O comandante do Batalhão de Trânsito da Polícia Militar, tenente-coronel Ricardo Pacheco, acompanhou a manifestação dos servidores civis das Forças Armadas. A passeata saiu do I Distrito Naval e foi até a Cinelândia. Os manifestantes utilizaram máscaras com o rosto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, de ministros do atual governo e até do personagem do filme "Pânico"

Carregando um caixão que simbolizava os baixos salários dos funcionários, eles fizeram a "ceia da miséria" na Cinelândia, onde distribuíram pão e água aos colegas. Paulo César dos Santos Monteiro, diretor do Sindicato dos Servidores Civis nas Forças Armadas (Sinfa), disse que os civis que trabalham na Marinha não recebem reajuste desde 1990.