Título: SINISTRA CIRANDA
Autor: Daniel Plá
Fonte: O Globo, 21/05/2005, Editorial, p. 6

Imagine um empresário que em 1993 tinha cinco lojas. Veio abril de 1994, a economia reaqueceu, as pessoas começaram a comprar e investir. Acreditando na situação, você também resolveu investir. Para não perder espaço no mercado, ainda pegou um pouco de dinheiro emprestado para reforçar o capital de giro. Dinheiro com juros baixos, ¿apenas 2,7% ao mês¿.

Continue imaginando. Você cresceu 20% ao ano. Em cinco anos, passou a ser responsável pelo emprego e treinamento de 100 pessoas. Em outras palavras, você ficou parcialmente responsável pela estabilidade econômica de 100 famílias.

Em 1999, no entanto, o cenário da economia mudou. Investir passou a ser um suicídio. Você, extremamente preparado e cauteloso, parou de investir e canalizou todos os seus esforços e recursos para quitar qualquer dívida bancária.

Chegou 2002, eleição presidencial. A maioria votou num candidato comprometido com a geração de empregos e com a redução da corrupção e da especulação. E o que estamos vendo? Há a desculpa de que em primeiro ano de gestão nada pode ser feito. Afinal, ajustes são necessários para conter a inflação gerada pela incerteza do mercado em relação ao futuro. Imagine, então, que o projeto de ajuste seja bem-sucedido.

Estamos em 2005. O que fazer? Investir ou fechar sua loja?

Com o resultado da venda do ponto e das instalações, será possível pagar parte dos empréstimos contraídos, quando se acreditava que haveria uma retomada da economia.

Vale lembrar que o tempo todo você levou em conta o papel social de um verdadeiro empresário. Portanto, arriscou e não fechou uma ou duas lojas que em alguns meses davam prejuízo.

Hoje, você deve ao banco exatamente o valor que seria arrecadado com a venda de algumas lojas. Desativando essas lojas, 30 pessoas perderão seus empregos. Em contrapartida, com a taxa de juros atual, daqui a três anos, nem vendendo ou fechando as 10 lojas as dívidas contraídas serão pagas.

Nesse momento, coloque a cabeça para refletir e encontre uma resposta para esta pergunta: quantas famílias teriam dignidade e participariam da sociedade de consumo, se os juros caíssem pela metade e esse empresário voltasse a investir? Para isso, é preciso que a sociedade e o governo se mobilizem no sentido de conquistar uma concreta e imediata queda dos juros. Sermos o país com a segunda mais alta taxa de juros do mundo não tem a menor graça.