Título: A PRAGA FASCISTA
Autor: GRIJALBO F. COUTINHO
Fonte: O Globo, 21/05/2005, Opinião, p. 7

Apretexto de corrigir equívoco histórico presente em artigo da minha autoria sobre o direitismo doentio de algumas figuras do mundo político no Brasil, o sr. Olavo de Carvalho, na sua coluna semanal do GLOBO, acometido do ensandecimento peculiar aos sujeitos que não toleram a pluralidade de opiniões e idéias, utiliza o velho recurso fascista da desqualificação da pessoa para destilar todo o seu ódio ideológico contra o conjunto da magistratura trabalhista brasileira, a quem se reporta como semi-analfabeta.

Os juízes do trabalho merecem respeito e qualquer crítica ou ofensa dirigida, no caso concreto, deve se restringir ao autor do texto atacado.

A infame estratégia salta aos olhos. O colunista se apega a questão lateral do meu texto, por não pretender enfrentar a idéia central que sustento, para qualificar-me como ¿charlatão bacharelesco¿, ¿exibicionista de conhecimento¿, ¿ignorante ambicioso¿, protagonista de ¿showzinho de erudição fingida¿ que, completa, ostenta ¿erudição histórica abaixo do requerido para o Show do Milhão¿. O discurso vazio, a deselegância e o destempero, naturalmente, não tiveram o condão de convencer os leitores do jornal. Ainda assim, julgo-me no direito a uma resposta.

Ainda que não seja direto, o articulista tenta negar a origem das expressões esquerda e direita como referências às forças ideológicas adversas durante a Revolução Francesa, a partir de sua localização física. Indicações de que isso teria ocorrido já na Assembléia Constituinte são feitas por alguns autores.

De qualquer forma, se na época da Assembléia Nacional as expressões gauche e droite foram aplicadas, respectivamente, aos pró-republicanos/democratas radicais e aos defensores da monarquia, na Convenção Nacional elas serviram para designar os jacobinos e os girondinos, de modo que a distinção surge, sem dúvida, no curso do movimento revolucionário iniciado em 1789. Também é certo que, diferentemente do que ensina o sr. Carvalho, não foi em 1793 que a definição ideológico-geográfica se deu, como apontam Hobsbawm, Bobbio e Sader.

À toda evidência, o procedimento do colunista é de um precário diversionismo. Na verdade, quer, desqualificando-me a partir de um aspecto periférico, desviar a atenção para o problema central exposto, que não pôde combater diretamente.

A velha extrema-direita vê fantasmas comunistas em toda parte e busca construir cenários para eliminar os agentes políticos que, de algum modo, não concordam com as suas elucubrações, postas como verdadeiros dogmas de uma seita.

A falta de reflexão humanística e os arroubos sofismáticos do reverendo, muitas vezes podem levar os seus infelizes e frustrados seguidores ao suicídio intelectual, entre outros motivos, pelo pensamento esquizofrênico de que só existe vida inteligente na doutrina liberal e na repressão à ideologia que combate a desigualdade social, a miséria gerada pelo capitalismo nômade, a exploração da classe trabalhadora e o direito absoluto de propriedade.

Definitivamente, essa gente não tolera a pluralidade de pensamento. Odeia a dialética de Hegel e, muito mais, a de Marx, sendo desprovida da menor autoridade para, pelo menos, compreender o caráter científico de toda a doutrina, grandeza que tiveram destacados liberais e capitalistas. O fascínio, no entanto, por outras desigualdades é algo notável nas concepções da ultradireita brasileira, especialmente pelo abismo social que separa ricos e miseráveis no país. Se pudessem, evidentemente, restabeleceriam o conforto e o despotismo patronal de ¿Casa Grande e Senzala¿.

Ao aspirante a intelectual, sempre atento aos programas de variedades da televisão brasileira, devo registrar que não me constrange recorrer aos estudantes por uma boa causa. Faço-o agora mesmo, convidando-os à crítica contundente às injustiças sociais, a partir dos espaços de liberdade das universidades.

Além dos universitários, aos trabalhadores e a todos os democratas para que varram do mundo a praga das idéias fascistas, de modo a tornar a reinstalação de regimes autoritários, com que sonha o articulista, mera peça de delírio, e para que a ¿Queda¿ do ditador seja apenas a película exibida no cinema, como triste lembrança do regime mais sangrento e mais anti-humano da História da civilização.