Título: Brasil tem um Portugal de informais
Autor: Luciana Rodrigues e Flávia Oliveira
Fonte: O Globo, 20/05/2005, Economia, p. 21

São 25% dos trabalhadores ou 13,8 milhões, mais que toda a população portuguesa

Os pequenos negócios informais são a fonte de trabalho de um quarto dos brasileiros ocupados em atividades não-agrícolas. São autônomos, pessoas que vivem de bico, microempresários ou empregados de firmas à margem da formalidade. E que, com grande freqüência, se tornaram empreendedores não por vocação, mas por falta de opção. Na sua mais recente pesquisa sobre economia informal urbana, o IBGE contou 10,34 milhões de pequenos empreendimentos desse tipo em 2003, que empregavam 13,86 milhões de pessoas, o equivalente a 25,45% da força de trabalho das cidades brasileiras, excetuando-se empregados domésticos. É um exército de trabalhadores superior, por exemplo, a toda a população de um país como Portugal (10,56 milhões).

Entretanto, o peso desse setor no Produto Interno Bruto (PIB, soma de todas as riquezas do país) é bem menor. A receita desses negócios - uma média de R$17,6 bilhões ao mês em 2003 - representa cerca de 6% do PIB, segundo estimativa do IBGE. Os números mostram que o setor informal tem uma função social, de absorver mão-de-obra e atenuar a crise do mercado de trabalho, muito maior do que seu papel econômico na geração de riqueza.

- Se essas pessoas não tivessem como atuar e garantir sua sobrevivência, estariam pressionando, por um lado, o mercado de trabalho e, por outro, os programas de transferência de renda do governo - afirmou Ângela Jorge, coordenadora de Trabalho e Rendimento do IBGE.

Informalidade chega a 98% dos negócios

Desde 1997, data de referência da última pesquisa do IBGE desse tipo, o número de trabalhadores em negócios informais cresceu 7,7%. É quase o dobro da expansão de 4% registrada, no mesmo período, no total de empregados em atividades não-agrícolas no Brasil, com exceção do serviço doméstico. Ou seja, sem o setor informal, o desemprego urbano entre 1997 e 2003 teria crescido bem mais.

Mas, por outro lado, os pequenos negócios não-formalizados perderam participação no PIB, já que em 1997 respondia por 8% do total das riquezas geradas no país. Isso é reflexo do empobrecimento desses empreendedores e de seus empregados.

A informalidade alcança 98% dos empreendimentos não-agrícolas com até cinco empregados. E reúne um universo amplo, que vai desde camelôs até microempresários, passando por artesãos. No conjunto, 69% são trabalhadores por conta própria, 10% são empregadores, 16% são funcionários com e sem carteira assinada e 5% trabalham sem remuneração.

Na maior parte das vezes, são informais por falta de oportunidade: 31,12% afirmaram ter iniciado seus negócios porque não encontraram emprego e 17,62% disseram buscar uma complementação de renda. Apenas 16,47% viraram empreendedores por um desejo de independência.

- O setor informal funciona mais como rede de proteção do que como trampolim. As pessoas montam negócios por necessidade, não por empreendedorismo - disse Marcelo Neri, chefe do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV). - Prova disso é que um terço dos proprietários diz que iniciou o negócio por não encontrar emprego.

José Ferreira de Pinto, de 60 anos, esbarrou muito jovem em barreiras para entrar no mercado formal. Saiu aos 23 anos do Acre com planos de ser médico da Aeronáutica no Rio. Não conseguiu entrar nas Forças Armadas. Mas, sem nunca ter sentado num banco escolar até os 16 anos, concluiu o antigo segundo grau num seminário, prestou vestibular, estudou por dois anos no curso de filosofia da PUC-Rio e se formou advogado na mesma universidade. O diploma e a carteira da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) são motivo de orgulho, e nada mais.

- Nunca pratiquei advocacia. O salário de iniciante era muito baixo e, sem família no Rio, não tinha como me manter - lembra o advogado, que depois de trabalhar 30 anos com decoração de flores em igrejas, hoje é dono de uma barraca de roupas no camelódromo da Uruguaiana.

Os trabalhadores por conta própria são os mais motivados pela necessidade. Entre os homens desse grupo, 37% abriram o negócio por falta de chance no mercado de trabalho, enquanto 34% das mulheres foram complementar a renda familiar. Outro indício de que o mercado formal habita os sonhos de boa parte dos empreendedores informais é o elevado número (15,90% do total) dos que disseram, quando perguntados sobre planos para o futuro, que pretendem abandonar seus negócios e procurar emprego.

RECEITA DO SETOR INFORMAL ENCOLHEU 20%, na página 22

A metodologia

Para definir o que são empreendimentos informais, o IBGE seguiu a recomendação da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Foram incluídos os negócios com até cinco empregados, no qual não há separação entre capital e trabalho (o proprietário também é trabalhador) e não há distinção entre o patrimônio e a receita da empresa e os bens e rendimentos da família de seu dono.

Trata-se de uma pesquisa por amostra. O IBGE visitou mais de 54 mil domicílios urbanos do país. Não foram incluídos os empregados domésticos.

Pela metodologia, mesmo os empregados com carteira assinada em pequenos negócios informais entram na pesquisa. Mas empregados sem carteira assinada em empresas formais não estão incluídos. O IBGE explica que objetivo é fazer um levantamento a partir das unidades produtivas, e não a partir do trabalhador. Foram consideradas todas as atividades socialmente aceitas.