Título: UNIDOS PELA CONSTITUIÇÃO
Autor: Deborah Berlinck
Fonte: O Globo, 20/05/2005, O Mundo, p. 28

Chirac, Schroeder e Kwasniewski tentam convencer franceses a aprovarem Carta da UE

Diante da perspectiva de um fracasso, os líderes da França, Jacques Chirac, da Alemanha, Gerhard Schroeder, e da Polônia, Aleksander Kwasniewski, saíram a campo ontem e decidiram unir forças para defender a Constituição Européia. A França está à beira de rejeitar o tratado num referendo no próximo dia 29. E todos sabem que se o país, que é um dos principais fundadores da União Européia (UE), disser "não", há o risco de arrastar para o mesmo caminho outras nações.

Reunidos em Nancy, na França, numa conferência de cúpula, os três líderes deram um tom dramático ao discurso.

- A Europa é mais forte quando fala numa única voz. Nós precisamos de uma Europa forte e integrada - disse o chanceler alemão, acrescentando que é responsabilidade da França não deixar os outros nesta batalha sozinhos.

Segundo ele, não há a "menor chance" de se rediscutir o projeto de Constituição para acomodar os franceses no caso de rejeição.

O presidente polonês chegou a implorar a milhares de pessoas na Praça Stanislas para que votem no "sim":

- A Europa precisa da França, e a Europa precisa deste tratado.

A dez dias do referendo francês, o campo do "não" assumiu a liderança. A última sondagem, realizada pelo Instituto Ipsos, revelou que 51% dos franceses são contra a Carta e 49% a favor. A rejeição seria um golpe duro contra Chirac - que mobilizou o governo numa campanha para a aprovação - e para a UE. A França é um dos fundadores do bloco, que lidera com os alemães. Hoje muitos se perguntam com que moral a França poderá reivindicar um papel de liderança se rejeitar o tratado. E também como funcionará a dupla Alemanha e França se cada um tomar um caminho diferente.

Apoio à Carta rachou grupos

A França está completamente dividida. Partidos e até famílias políticas - como a de François Mitterrand, um dos presidentes que mais lutaram pela integração européia - racharam. Danielle, a viúva do ex-presidente, anunciou um ruidoso "não", enquanto o filho Gilbert milita pelo "sim". Líderes políticos, como o socialista Laurent Fabius, estão desafiando a orientação do partido e encampando o bloco do "não".

Numa cena rara na política francesa, rivais da esquerda e direita estão se unindo na corrida pelo voto indeciso. Fabrice, 44 anos, cobrador de bilhetes em trens, vê com desespero o avanço do bloco europeu e o aumento do poderio de Bruxelas. Ele vê poloneses tirando o emprego dos franceses, e as estatais caminhando para a privatização, e diz que a França já pagou caro nos anos 80 com a entrada de Portugal, Espanha e Irlanda no bloco. Seu voto é certo:

- Esta Constituição não é feita para nós, operários. É feita contra nós. Você já tentou ler esta Constituição? Impossível. É pior do que texto de contrato de seguro - queixou-se.

Há várias razões para o bloco do "não" estar crescendo. Muitos temem que a Constituição institua na Europa o modelo americano de livre mercado, acabando com o generoso sistema social francês. Duas políticas da UE também causam alarme. Uma é a proposta para permitir que profissionais possam sair de países com baixo custo de mão-de-obra e prestar serviços nas nações ricas do bloco com base nas regras dos lugares de onde são originários. E outra são os esforços para abrir negociações para a entrada da Turquia no bloco, idéia rejeitada pela maioria dos franceses.

O "não" francês também esconde outra motivação: rejeitar a Constituição é uma forma de punir o governo de Jacques Chirac, acusado de não resolver problemas econômicos, como o desemprego, que atinge 10% da população.

Com medo do encanador polonês

Políticos da França tentam desacreditar idéia de que europeus do leste vão imigrar em massa

PARIS. Já houve tempo em que o maior temor da França era ver soldados alemães em parada por baixo do Arco do Triunfo em Paris. No entanto, às vésperas do referendo que deve cimentar com uma constituição comum a amizade cultivada ao longo das últimas décadas, os inimigos do leste enfrentados em três guerras já não preocupam mais. Hoje, no lugar das bombas alemãs, o que tira o sono dos franceses são os bombeiros poloneses.

A dez dias da consulta nas urnas em que o país vai decidir se aprova ou não a Constituição da União Européia (UE), analistas especulam que talvez não tenha sido uma boa idéia o presidente da França, Jacques Chirac, aparecer lado a lado com seu colega da Polônia, Alexander Kwasniewski, para promover a Carta. Tudo por causa da cláusula que permite que países da UE contratem profissionais de outros membros do bloco pelas regras trabalhistas e pelos salários vigentes nestes últimos. Com isso, os franceses, que já amargam uma taxa de desemprego de 10,1%, foram tomados pelo medo de uma invasão de encanadores poloneses, dentistas húngaros, marceneiros tchecos...

A idéia já se espalhou tanto que políticos à esquerda e à direita estão se esforçando para tentar desmontá-la.

- Não tenham medo do encanador polonês - procurou acalmar o líder da facção socialista no Parlamento Europeu, Josep Borrell, num comício pró-Constituição em Paris anteontem.

Um pouco mais cedo, o deputado direitista Alain Madelin dissera à Rádio France Info:

- Lembro-me da invasão da França pelos nazistas e posso lhes assegurar que não haverá uma invasão semelhante de encanadores poloneses se a Constituição for ratificada.

O próprio Kwasniewski se viu obrigado a tocar no assunto e garantiu numa entrevista que seu país não vai inundar a Europa com profissionais caso a Carta seja aprovada.

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