Título: FIM DA LETARGIA: REPRESSÃO DURA À CORRUPÇÃO
Autor: MÁRCIO THOMAZ BASTOS
Fonte: O Globo, 22/05/2005, Opinião, p. 7

Alguém que tenha ficado por muito tempo fisicamente ocioso, ao retomar com intensidade uma atividade física sofrerá com as dores inerentes ao reforço muscular. Poderá pensar erroneamente que o sofrimento não compensa e que a inatividade lhe trazia mais saúde e conforto. A metáfora vale para pensar a relação do governo com o combate à corrupção.

Os esquemas de desvios de recursos e a pressão do poder econômico sobre o poder político são fatos que desvirtuam a gerência do bem público em qualquer administração, em todo o mundo. Em nosso caso, o poder público vinha sendo historicamente omisso no combate aos desvios, em franca opção política por trabalhar contra o problema burocraticamente e em silêncio, por meio apenas de sindicâncias e processos administrativos opacos.

O resultado desta opção foi desenvolver junto à população a percepção de que redes difusas de desvios de recursos operavam no interior do Estado sem limitações e de que a punição recairia apenas sobre os que menos se beneficiavam desses esquemas. Percepção, a meu ver, correta.

No entanto, o cenário político mudou de dois anos para cá. A eleição do presidente Lula, um homem com uma história pessoal marcada pela ética e pelo compromisso com a necessidade de transformação democrática das instituições, mais do que representar a esperança de mudanças, deu vazão às efetivas transformações necessárias para se lutar contra os desvios de recursos públicos.

Nunca se combateu com tanta força e eficácia a corrupção no Brasil. O governo federal como um todo está comprometido com essa luta histórica. Os dois ministérios mais diretamente vinculados ao enfrentamento do problema são a Controladoria-Geral da União, chefiada pelo ministro Waldir Pires, e o Ministério da Justiça.

Nesses dois anos, a Controladoria-Geral da União realizou 5.844 auditorias em órgãos federais e encaminhou ao TCU 2.461 Tomadas de Contas Especiais, com um retorno potencial previsto de R$724 milhões aos cofres públicos. Além disso, seu ¿Programa de Fiscalização¿ a partir de sorteios públicos, experiência inovadora implantada por este governo sorteou de forma isenta e impessoal 681 municípios para terem suas contas investigadas. Foi identificada uma variada tipologia de irregularidades, como fraudes de recursos para merenda escolar e medicamentos. Os resultados dessas fiscalizações foram, todos eles, encaminhados ao Ministério Público ¿ dos Estados e da União ¿ com vistas ao ajuizamento das ações judiciais cabíveis, além do seu envio à AGU, ao TCU e ao Congresso Nacional.

No âmbito do Ministério da Justiça foram desencadeadas inúmeras ações para combater os desvios. Por saber que não há rede criminosa que opere sem a certeza de que poderá, ao final do processo, ocultar seus ganhos, criamos um Departamento Nacional de Recuperação de Ativos Ilícitos para combater a lavagem de dinheiro no Brasil. Este órgão, vinculado a nossa Secretaria Nacional de Justiça, foi responsável pelo rastreamento e o bloqueio de mais de U$300 milhões.

Recrudescemos drasticamente o combate aos cartéis, aliando sofisticadas análises econômicas a técnicas de investigação e produção de provas até então inéditas no Brasil. Nossa Secretaria de Direito Econômico realizou inspeções, operações de busca e apreensão e Acordos de Leniência que, com o apoio do Ministério Público e da Polícia Federal, redundaram em 297 investigações, inclusive criminais, em mercados relevantes para a economia nacional (construção civil, medicamentos, gases hospitalares e insumos químicos industriais). Essa expertise está sendo empregada no combate a cartéis formados para fraudar licitações públicas.

Em dezembro do ano passado instituímos um programa piloto de transparência, que deverá ser implantado em todos os Ministérios. Todos os gastos ¿ licitações, contratos, convênios, despesas com viagens, passagens ¿ estão disponíveis na internet no endereço www.mj.gov.br/transparencia para que a população possa se informar e fiscalizar como vêm sendo empregados seus recursos.

A Polícia Federal trabalha como nunca contra os desvios de recursos públicos. O resultado é muito positivo. Realizou 45 grandes operações voltadas para o combate à corrupção, nas quais prendeu 819 pessoas, 276 deles servidores públicos. Como parte de importante trabalho de autodepuração, prendeu e demitiu 120 policiais federais e rodoviários. Apenas em quatro operações realizadas para coibir crimes contra a Administração, desmontou quadrilhas que já haviam desviado mais de R$2,7 bilhões dos cofres públicos.

É importante que se saiba que todos os casos noticiados, todos os indícios e todas as denúncias de desvios de recursos públicos são investigados pela Polícia Federal. Não apenas apurados, mas investigados de um modo impessoal, sem perseguir e nem proteger quem quer que seja. Nunca na história da República, altos funcionários dos três poderes foram investigados, indiciados, denunciados e julgados por crimes contra a Administração e por atos de improbidade com tanta intensidade.

O Brasil saiu da letargia no trato da coisa pública. A repressão dura à corrupção pode passar a idéia errônea de que o fenômeno tem aumentado, quando se trata exatamente do contrário. Trata-se de um esforço republicano ¿ sem precedentes por sua amplitude e intensidade ¿ para garantir que a dor de saber que nossos cofres públicos foram por tanto tempo sangrados será compensada pela satisfação de constatar que tais condutas não são mais toleradas e que seus responsáveis estão sendo punidos.

MÁRCIO THOMAZ BASTOS é ministro da Justiça.