Título: Deputados agora defendem cotas para parentes
Autor: Isabel Braga e Maria Lima
Fonte: O Globo, 22/05/2005, O País, p. 12

Integrantes da comissão que analisará fim do nepotismo planejam sugerir reserva de vagas para suas famílias

BRASÍLIA. Como o governo Lula instituiu a política de cotas para negros e outras minorias, é possível também criar reservas para parentes no serviço público. Esta é a alternativa que alguns deputados da comissão especial que vai analisar a proposta de emenda constitucional que proíbe o nepotismo sugerem para tentar legalizar a contratação de parentes. Por pressão da opinião pública, a emenda poderá ser aprovada, mas não será uma tarefa fácil. Embora a maioria dos deputados da comissão já antecipe voto favorável ao fim do nepotismo, o famoso jeitinho brasileiro poderá ganhar espaço no texto final, abrindo brecha para exceções.

Onze deputados têm dúvidas sobre proibição total

Dos 28 deputados ouvidos pelo GLOBO (de um total de 32 da comissão), 17 adiantaram o voto a favor da proibição total do nepotismo no Executivo, no Legislativo e no Judiciário, na União e nos estados e municípios. Onze deputados admitiram ter dúvidas se a proibição total é justa e alguns deles sugerem estabelecer um percentual de parentes para os cargos de confiança. Dos quatro não encontrados, dois são petistas e já se manifestaram contra a contratação de parentes.

¿ Nós deveríamos discutir cotas, um percentual máximo de parentes nos gabinetes, desde que demonstrem capacitação e realmente trabalhem. Da forma como está a emenda, é bobagem, não passa na Câmara ¿ diz o deputado Isaías Silvestre (PSB-MG), que emprega a sobrinha no gabinete.

¿ Se a pessoa emprega um parente competente, que trabalhe, não vejo por que criticar. Minha esposa trabalha comigo há 14 anos, não escondo de ninguém. Tem que haver transparência, e o eleitor é que deve julgar ¿ acrescenta o deputado Edinho Montemor (PL-SP).

A deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC) admite empregar duas sobrinhas em seu gabinete e diz que a votação não deve acontecer de forma açodada, apenas levando em conta a pressão da opinião pública. Para ela, é preciso fazer uma diferença nítida entre o cargo ocupado por apadrinhamento e o ocupador por alguém que merece.

¿ Temos que pensar numa forma de limitar numericamente os parentes, acabar com o excesso de nepotismo. Essa comissão deve buscar alternativas justas e coerentes ¿ diz Perpétua.

Não faltam sugestões de acabar com exageros, mas mantendo uma brecha para a prática.

¿ Sugiro a limitação da contratação de parente, cada um nomear um ou dois parentes. A preocupação da opinião pública é em relação ao exagero do nepotismo ¿ diz o deputado Wilson Santiago (PMDB-PB), cuja mulher trabalha no gabinete do deputado Benjamim Maranhão (PMDB-PB), também integrante da comissão.

¿ Proponho estabelecer critério objetivo para cargos de confiança: um percentual de contratação de parentes. Junto com a declaração de bens, o parlamentar declararia os parentes que emprega ¿ sugere Marcondes Gadelha (PTB-PB), cujo filho é chefe de seu gabinete.

Posições diferentes num mesmo partido

A preocupação com o fim do nepotismo e suas implicações não une ideologicamente os deputados: os seis petistas e os quatro pefelistas da comissão empunham a bandeira do fim da prática. Quase todos são favoráveis a regras mais rígidas, evitando o nepotismo cruzado, em que um parlamentar emprega o parente de um colega.

Entre os demais partidos não parece haver esta sintonia. Com exceção de Zulaiê Cobra (PSDB-SP) ¿ radicalmente contra o nepotismo e que já tentou, sem sucesso, proibi-lo em 2000 ¿ os outros dois tucanos da comissão não estão convencidos de que a proibição total é a saída.

¿ Sugiro criar um código de ética para as contratações em cargos de confiança. A proibição total tem de ser discutida para não haver injustiça ou perseguição. Não se pode rejeitar a pessoa pelo sobrenome. É nazista a proibição total ¿- diz a deputada Yeda Crusius (PSDB- RS).

O provável presidente da comissão especial, Manato (PDT-ES), já teve a mulher contratada no gabinete de outro deputado, mas ela foi exonerada. Para assumir a presidência da comissão e afastar suspeitas, ele registrou em cartório declaração em que promete renunciar ao mandato se acharem algum parente contratado no serviço público. Manato diz que tem dois primos que trabalham em órgãos públicos estaduais no Espírito Santo, mas são concursados. O pedetista acrescenta que é favorável à emenda, mas, como seus colegas, tem dúvidas sobre a extensão da proibição.

Provável relator promete analisar todas as emendas

Já o provável relator, Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP), diz que analisará todas as propostas e emendas, mas afirma não ter dúvidas de que fará um relatório favorável ao fim do nepotismo em todos os níveis de poder.

¿ Não tenho problema algum em acabar com o nepotismo ou com o ¿nepetismo¿. Não tenho o rabo preso, não contrato parentes. O que posso ter é alguma amante contratada por aí e não sei ¿ brinca.

A proposta de cotas para parentes é rechaçada por alguns integrantes da comissão.

¿ Isso é até inconstitucional. Fere o princípio da isonomia ¿ argumenta o deputado José Eduardo Cardozo (PT-SP).

¿ Em 28 anos de mandato nunca nomeei meus parentes. Não que eles não sejam competentes, mas, pelo bem da moralidade, sou contra. Cota para nomear parentes? Isso é um absurdo ¿ diz o deputado Sarney Filho (PV-MA).

Aprovada há mais de um mês na Comissão de Constituição e Justiça, a emenda tramita a passos lentos. Só na sexta-feira passada o PMDB apresentou os nomes dos seus cinco representantes, fechando a lista. Agora, falta o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), assinar um ato que deve ser lido em plenário para, então, marcar a primeira reunião de trabalho.