Título: Corrupção sistêmica
Autor:
Fonte: O Globo, 23/05/2005, Opinião, p. 7

Obrasileiro não é geneticamente corrupto. Não dependemos de avanços de engenharia genética para salvar gerações futuras da doença. Mas precisamos urgentemente de uma reengenharia institucional para não deixarmos como herança cultural um ambiente de demagogia, populismo, corrupção e impunidade.

O PSDB nasceu de uma dissidência do PMDB sob a égide de elevados padrões de ética e moralidade na política. Governou por oito anos. E agora governa o PT, com sua inquestionável bandeira histórica de correção e transparência no trato da coisa pública. Ambos professam a mesma fé na social-democracia, mas ameaçam-se mutuamente com a criação de CPIs de estatais (existentes e já privatizadas). Se o que pretensamente há de melhor em nossa classe política deflagra feroz combate pelo poder usando como plataforma uma agenda negativa ¿ a corrupção ¿, há algo de profundamente errado no Novo Regime.

Com a palavra, o grande mestre de todos os nossos socialistas: ¿Impossível submeter a administração do Estado aos interesses da produção nacional sem restabelecer o equilíbrio orçamentário entre a despesa e a receita. E como restabelecer esse equilíbrio sem restringir os gastos estatais, isto é, sem ferir interesses que eram pilares do sistema dominante?¿

¿O incremento da dívida do Estado interessava diretamente aos que governavam e legislavam através das Câmaras. O déficit do Estado era precisamente o verdadeiro objeto de suas especulações e a fonte principal de seu enriquecimento. Cada ano, novo déficit. E cada novo déficit dava à aristocracia financeira nova ocasião de espoliar o Estado, que, mantido artificialmente à bancarrota, era obrigado a assumir compromisso em condições cada vez mais desfavoráveis. As enormes somas que passavam assim pelas mãos do Estado davam, além disso, oportunidade para fraudulentos contratos de fornecimento, corrupção, subornos, malversações e ladroeiras de todo gênero. A pilhagem por atacado do Estado, como praticada por meio de empréstimos, repetia-se a varejo nas obras públicas. As relações entre o governo e as Câmaras se multiplicavam nas relações entre os múltiplos organismos da administração e os diversos contratantes.¿

Para Karl Marx, o autor do trecho acima no clássico ¿As Lutas de Classes na França (1848-1850)¿, a corrupção sistêmica é filha da escalada de gastos estatais. Essa é uma lição a ser aprendida por nossos sociais-democratas, que na última década empurraram os gastos públicos de 20% para 40% do PIB.