Título: 'Mãe é a primeira a saber e a última a acreditar'
Autor: Isabela Martin
Fonte: O Globo, 23/05/2005, O País, p. 8

FORTALEZA. Pouco depois da meia-noite da quarta-feira passada, D., de 15 anos, grávida de cinco meses, preparava-se para ir embora depois de uma noite sem lucro. A barriga minguada, mas visível, afugenta os clientes. No início da BR-116, em Fortaleza, ela e a amiga C., de 13 anos, esperavam que algum motorista parasse.

Magra, aparentando desnutrição, D. começou a se prostituir aos 13 anos, na noite do mesmo dia em que fugiu de casa depois de sofrer abuso sexual cometido pelo pai. Ela se arrepende da fuga, mas a mãe, que voltou para Itapipoca, no interior, não a quer de volta.

¿ Eu sou adotada ¿ disse, franzindo a boca, como se esse fosse o ponto de partida de sua história triste.

Pediu à mãe que a levasse ao Instituto Médico-Legal (IML) para fazer exame de corpo de delito.

¿ Ela não acreditou em mim e ele (o pai) negou. Eles mentem na cara da gente ¿ disse C., que conta ter sido estuprada pelo padrasto na semana retrasada.

A mãe também não acreditou. Segundo ela, o pai a alisava desde que tinha 7 anos. Há uma semana, está morando na casa de uns amigos, os noieiros, apelido de quem consome pedra (crack). Ela também usa a droga. C. começou a se prostituir há cinco meses.

Há dois anos sem estudar, D. também não está fazendo os exames de pré-natal porque perdeu o documento de identidade. Assim como a primeira, diz que esta gravidez aconteceu porque a camisinha estourou. O filho de 1 ano mora no interior com a mãe dela.

Pelo único programa daquela noite, C. recebeu R$5. Aluna da sétima série, acha que, por enquanto, não há outra alternativa de ter dinheiro sem roubar. Ajuda o irmão, engraxate, e a mãe, lavadeira, com as despesas domésticas. Em casa, fingem ignorar a origem do dinheiro.

¿ Mãe é a primeira a saber e a última a acreditar ¿ disse C.

Personagens de histórias parecidas, elas se arriscam na noite. Costumam atender os clientes no matagal. Às vezes também no carro e raramente em motéis. Cobram R$10 em média.

¿ O pior desta vida é o medo de sair e não voltar para casa ¿ diz D., mostrando as cicatrizes de cinco facadas ao tentar impedir que os clientes, que chamam de coroas, porque têm cabelos brancos, tomassem o dinheiro pago antecipadamente.