Título: Estradas têm 844 focos de prostituição infantil
Autor: Isabela Martin
Fonte: O Globo, 23/05/2005, O País, p. 8
FORTALEZA. Após um ano de investigação, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) concluiu o primeiro mapeamento de lugares às margens das rodovias federais que favorecem a exploração sexual infanto-juvenil. Nos 26 estados e no Distrito Federal, o relatório identificou 844 pontos de prostituição. Paradas de viajantes, principalmente caminhoneiros, esses locais são freqüentados por meninas menores de 18 anos que se prostituem às vezes em troca de comida.
Bares, restaurantes, motéis, postos de gasolina e postos fiscais de 462 municípios foram citados no relatório como pontos críticos. Serão alvo de ações de repressão policial e por isso são mantidos em sigilo.
No ranking dos estados com mais pontos críticos, não foram os mais pobres que ocuparam a dianteira. A extensão da malha viária, a vocação turística das cidades ou a intensidade do tráfego de caminhões nas regiões de economia baseada na agropecuária, como o Centro-Oeste, pesaram negativamente.
Santa Catarina (78) e Minas Gerais (75), com o maior número de pontos ao longo das rodovias federais, têm, respectivamente, o sétimo e o terceiro maior PIB do Brasil, segundo dados do IBGE de 2002. São Paulo, mais rico estado brasileiro, disputa o oitavo lugar com Paraíba e Pernambuco, com 35 pontos mapeados. Goiás e Mato Grosso estão em terceiro, com 67 locais de facilitação à prostituição. No Amapá não houve registro.
Em Santa Catarina, diz o relatório, há pontos de prostituição infanto-juvenil em todas as rodovias federais, especialmente nas BR-101 e BR-470. Em Minas, a extensão da malha federal, com 15 mil quilômetros (só sete mil fiscalizados pela PRF), é uma das razões para o grande número de focos de prostituição.
Coordenado pelo setor de inteligência, o ¿Mapeamento de Ocorrências de Violência contra Crianças e Adolescentes nas Rodovias Federais¿ é o primeiro levantamento feito pela Polícia Rodoviária e foi entregue na semana passada ao secretário especial de Direitos Humanos, Nilmário Miranda. As informações devem orientar ações governamentais e se somam a outro levantamento, feito pelo Grupo de Pesquisa sobre Violência e Exploração Sexual e Comercial de Mulheres, Crianças e Adolescentes (Violes/UnB), que constatou a ocorrência dessa prática em 937 municípios.
A prostituição infanto-juvenil também é visível nas capitais. Em Fortaleza, nos fins de tarde, meninas se agrupam às margens da BR-116 à espera de freguesia. Aguardam uma abordagem voluntária ou estendem a mão ao motorista como se pedissem carona. O acerto para o programa é feito no acostamento.
Na capital cearense, um dos pontos identificados no relatório é um posto de gasolina a dois quilômetros da sede da Polícia Rodoviária. Caminhoneiros são os principais clientes. As meninas também são abordadas por moradores da cidade. No Ceará, com 19 pontos citados no relatório, a exploração de crianças e adolescentes tem, segundo a Polícia Rodoviária, relação com o tráfico de drogas, principalmente maconha e crack.
Famílias pobres vendem as filhas
A exploração sexual não é o único drama que a pobreza impõe a crianças e adolescentes. Há casos em que tudo começa quando a família pobre vende as filhas ou as entrega a agenciadores. Histórias assim foram constatadas em Pernambuco e no Rio Grande do Sul. Da casa dos pais, nas zonas rurais, elas são levadas para as cidades e forçadas a se prostituir.
Muitas meninas foram violentadas por pessoas da família. Fugindo de casa, deixam-se explorar na rua e freqüentemente acabam viciadas em drogas. Em Fortaleza, pagam R$5 por uma pedra de crack, mesmo valor que cobram para fazer sexo oral. Segundo a delegada Rena Gomes, da Delegacia de Combate à Exploração da Criança e do Adolescente, o vício dificulta as tentativas de retirá-las da rua:
¿ Elas não se consideram vítimas e se sentem incomodadas com as ações do Estado.
O Ministério Público do Trabalho no Ceará está convencendo proprietários de estabelecimentos denunciados a assinarem termo de ajuste de conduta. Num dos casos, a dona de um posto de gasolina prometeu impedir a permanência de meninas desacompanhadas dos pais e proibir o pernoite de caminhoneiros. O descumprimento prevê multas trabalhistas.
Campanha para caminhoneiros
A partir dos dados, a Secretaria Especial de Direitos Humanos lançou na semana passada, em Fortaleza, a campanha ¿Proteja como se fossem seus filhos¿, para motoristas. O projeto Brinquedoteca, iniciado no Maranhão, é o modelo. Num dia brincando com crianças, motoristas aprendem que a brincadeira, e não a violência, deve fazer parte do dia-a-dia delas.
Segundo a Secretaria Especial de Direitos Humanos, nos últimos dois anos, 25 mil caminhoneiros foram capacitados no combate à exploração sexual infanto-juvenil no Programa Motorista Cidadão, que já teria a adesão de 65.530 caminhoneiros.
A Polícia Rodoviária Federal em Santa Catarina contesta os dados e diz que o ranking considerou todos os pontos de prostituição, e não só locais onde há menores.
¿ Brasília pediu um levantamento dos pontos de prostituição à beira das estradas. Nunca algo específico sobre exploração de menores ¿ diz Luiz Graziano, da comunicação social em Santa Catarina.