Título: A MATEMÁTICA PERVERSA DOS JUROS
Autor: Vagner Ricardo
Fonte: O Globo, 22/05/2005, Economia, p. 33
Estudo mostra que concentração bancária elevou taxas do cheque especial
Uma matemática perversa ao bolso do consumidor acompanha o avanço da concentração bancária no país. Mostra que, quanto menor o número de bancos e, em conseqüência, a concorrência, maior torna-se o apetite das instituições bancárias em aumentar o ganho nos empréstimos do cheque especial de pessoa física. É o que revela o estudo ¿Concentração bancária brasileira: uma análise microeconômica¿, dos economistas José Santiago Fajardo Barbachan e Marcelo Maciel da Fonseca, ambos do Ibmec Business School do Rio.
O trabalho compara a crescente diferença entre a taxa Selic (usada nas captações de recursos feitas pelas instituições financeiras) e os juros cobrados no cheque especial. Em dezembro de 1998, por exemplo, os correntistas no vermelho no cheque especial pagavam juros anuais de 175,43%, 5,45 vezes mais que a taxa básica (32,21%). Em setembro de 2004, a variação foi de 8,65 vezes (a taxa básica estava em 16,25% e os juros do cheque especial, 140,62%).
Número de bancos cai de 203 para 164
Fajardo assinala que, em dezembro de 98, havia 203 instituições bancárias em atividade, número que encolheu para 164 em setembro do ano passado, após a seqüência de incorporações dos anos anteriores.
¿ Tradicionalmente, o setor bancário é concentrado em todo o mundo, mas no caso brasileiro prevalece um ambiente pouco competitivo, o que acaba favorecendo o aumento excessivo dos spreads (diferença entre captação e empréstimo)bancários ¿ diz Fajardo.
¿ É preciso entender que o cheque especial não é um típico produto de crédito. É para uso emergencial, uma exceção que não pode ser um indicador das taxas médias cobradas nas diversas modalidades de crédito oferecidas pelos bancos. Se prevalecesse a taxa do cheque especial para tudo, os bancos estariam feitos ¿ responde o economista-chefe da Febraban, Roberto Luis Troster.
Se, em março, os juros no cheque especial chegaram aos 146,10% ao ano (7,59 vezes mais que o valor da Selic), nas demais modalidades a taxa foi bem menor, destacou Troster. Segundo ele, o financiamento para a compra de veículos foi de 36,7% ao ano; o crédito consignado, 37,1%; no crédito direto ao consumidor (CDC), 74,4%. Em março, dos R$506,13 bilhões em crédito concedidos pelos bancos, apenas R$11,4 bilhões envolviam empréstimos no cheque especial.
Fajardo lembra que nos Estados Unidos existem pelo menos 4 mil bancos, mas cinco ou seis instituições concentram grande parte dos negócios, só que em um ambiente de muita competição. Até porque o Fed (o banco central dos Estados Unidos) não é muito favorável às fusões. A concorrência é acirrada também nos países europeus. Isso explica porque os europeus pagavam, em agosto de 2004, 4,81 vezes a taxa básica (lá de 2%), enquanto os brasileiros 8,79 vezes a Selic (de 16%), diz Fajardo.
Troster explica que, além da Selic, outros fatores são considerados na fixação dos juros cobrados nos empréstimos, como a tributação. Apenas a chamada cunha fiscal (impostos embutidos na operação financeira, como CPMF, PIS, Cofins, IR) encarece o empréstimo em 29%.
¿ Mesmo que os bancos renunciassem a qualquer ganho na operação, o tomador de empréstimo teria um adicional de 29% para pagar os impostos¿ assinala.
Para Miguel de Oliveira, vice-presidente da Associação Nacional dos Executivos de Finanças (Anefac), só quando a Selic cair para 15% ao ano será possível aumentar a oferta de crédito e ter juros mais razoáveis.
Fajardo não vê muitas saídas para o caso brasileiro a curto prazo, nem para aumentar a concorrência entre os bancos.
¿ O BC não oferece qualquer restrição a aquisições de pequenos bancos e não há nenhuma regulamentação sobre concorrência, diferentemente do observado em outros segmentos, como na indústria ou no comércio¿ constata.
Mas acredita que algumas medidas devem começar a ser implementadas para aumentar a competição entre os bancos. Ele cita um projeto de lei, esquecido no Congresso, que planeja colocar os bancos sob o alcance do Cade, o que estabeleceria pelo menos concorrência nas tarifas bancárias e seria um passo para reduzir a concentração a médio e longo prazos. Segundo ele, a receita com tarifas, que há 10 anos representava algo em torno de 9% do faturamento total dos bancos, passou a 17,3 % no ano passado. No caso da folha de pagamento, considerando-se os balanços do Bradesco, Unibanco, Itaú, Safra, Banco do Brasil e Banespa, os valores arrecadados com tarifas superaram os custos em 13,4 %.
Recorde ocorreu em agosto de 2000
O teto da diferença das taxas pagas (Selic) e cobradas pelo bancos foi de 9,90 vezes e ocorreu em agosto de 2000. À época, os juros cobrados eram de 163,28% ao ano e a Selic, de 16,50%. Foi por esta altura que José Robson do Nascimento começou a perder o fôlego para os juros de seu cheque especial. A dívida inicial de R$600 virou uma bola de neve e, no fim de 2001, estava em R$1.755,73, mesmo após ele ter pago duas vezes o valor do principal:
¿ Fiz o possível para quitar. Atrasei a prestação do carro, cheguei a reduzir os gastos com a alimentação da família, mas não deu para saldá-la, mesmo após algumas renegociações. Desde 2001 até hoje, meu nome está no SPC ¿ diz, inconformado.