Título: Kirchner critica industriais brasileiros
Autor: Valderez Caetano
Fonte: O Globo, 23/05/2005, Economia, p. 15

BUENOS AIRES. Enquanto empresários brasileiros e argentinos tentam fechar acordos para limitar o comércio bilateral, por exemplo, em setores como calçados, vinho e têxteis, o presidente da Argentina, Néstor Kirchner, fez duras acusações ao empresariado brasileiro. Em entrevista ao jornal ¿Clarín¿, o mais importante do país, o presidente argentino assegurou que ¿existem setores do establishment brasileiro que querem que toda a indústria se concentre em São Paulo e que todos os demais (países da região) sejam periféricos¿.

Já em entrevista ao jornal ¿Página12¿, Kirchner referiu-se aos empresários paulistas como ¿fortes, duros e sem piedade¿. ¿Não vamos nos resignar a não reconstruir a classe média e a classe trabalhadora¿, disse o presidente argentino.

Na entrevista ao Clarín, Kirchner esclareceu, ainda, que seu relacionamento com o presidente Lula é excelente e afirmou que o posicionamento do presidente brasileiro ¿coincide com muitas das coisas que eu digo. O que acontece é que o Brasil tem um setor industrial muito forte¿. Segundo explicou o presidente argentino, os conflitos entre ambos os países surgiram porque a Argentina decidiu reativar seu setor industrial. ¿Na década de 90, a Argentina renunciou a seu papel industrial e era muito mais viável (o relacionamento com o Brasil), mas agora a recuperação desse papel industrial gera conflito¿.

Além de consolidar seu poder político, quase dois anos depois de ter assumido o poder, hoje a grande preocupação do presidente argentino é fortalecer o processo de reativação econômica do país. A defesa dos interesses nacionais, asseguram fontes governamentais, é uma política de Estado para Kirchner, um presidente que parece disposto a tudo em nome da recuperação da indústria de seu país. A guerra comercial com o Brasil veio à tona em meados do ano passado, quando a Argentina aplicou medidas protecionistas contra as importações de eletrodomésticos brasileiros. Desde então, o Brasil aceitou limitar suas vendas de fogões, geladeiras, televisores, calçados e têxteis.

Kirchner precisa do apoio político da indústria

¿O Mercosul tem um grande futuro se a Argentina e o Brasil se recuperarem economicamente. O que acontece é que estamos discutindo interesses. Temos profundas assimetrias e enquanto não solucionarmos este problema (o Mercosul) não terá a viabilidade que têm outros processos de integração¿, enfatizou Kirchner.

O apoio dos industriais argentinos é fundamental para o presidente, que em outubro enfrentará o principal teste eleitoral de seu governo: as eleições para renovar parte da Câmara, do Senado e das Assembléias Legislativas. Para um presidente que assumiu com apenas 22% dos votos, uma vitória nas urnas é crucial.