Título: Brasil avança na América do Sul
Autor: Valderez Caetano
Fonte: O Globo, 23/05/2005, Economia, p. 15

A estratégia do governo de reafirmar a presença do Brasil na América do Sul, aliada ao processo de internacionalização de grandes empresas brasileiras como Gerdau e AmBev, e também de pequenas redes como a paulista Mister Sheik, está fazendo com que o apelido ¿Gigante do Sul¿ saia dos discursos e vire realidade. Hoje, o Brasil está presente em praticamente todos os países do continente, com investimentos de estatais, governo e setor privado que chegaram a pelo menos US$7,54 bilhões nos últimos anos. Só da Petrobras saíram US$3,8 bilhões e do BNDES, outros US$3 bilhões em 20 empreendimentos.

O volume pode chegar a US$15 bilhões ¿ ou R$36,6 bilhões ¿ nos próximos quatro anos apenas com recursos públicos. Só a Petrobras pretende investir US$3,5 bilhões até 2010 e o governo, junto com o Banco do Brasil, outros US$3 bilhões. Isso sem contar os investimentos privados, cujo mapeamento o país não tem, talvez por ainda engatinhar no mundo das multinacionais.

Nem mesmo a recente decisão da Bolívia, onde a Petrobras tem US$1,5 bilhão investido, de taxar em 50% a exploração do petróleo desanima o Brasil a levar adiante o processo de integração da América do Sul, especialmente nos grandes projetos de infra-estrutura.

¿ Apoiar a integração é missão do BNDES como instrumento de política de governo. Os projetos de infra-estrutura para integração física são fundamentais para modernizar a região e para fortalecer os negócios privados ¿ diz o superintendente da Área de Comércio Exterior do BNDES, Luiz Antônio Dantas.

Os investimentos do setor privado também têm se espalhado no continente e certamente são muito maiores do que as poucas compilações de projetos multinacionais indicam. Segundo estudo da Unctad (órgão da ONU para o Comércio e o Desenvolvimento) apenas cinco empresas brasileiras investiram US$710 milhões em negócios sul-americanos selecionados nos últimos dois anos.

Empresas buscam internacionalização

A Unctad escolheu empresas de diferentes ramos de atividade, como a gigante Odebrecht ¿ que está investindo US$320 milhões no setor de energia no Equador ¿ ou a cervejaria AmBev, presente em Guatemala, Peru, Uruguai e Argentina, ou ainda a rede de alimentação Mister Sheik, com investimentos na Argentina e na Venezuela.

¿ Há uma tendência positiva de internacionalização das empresas brasileiras no continente. Muitos desses investimentos são projetos próprios que começam do zero, sem associação com projetos já existentes. Isto mostra que o Brasil é capaz e competitivo ¿ disse o presidente da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf.

As empresas raramente informam seu número total de investimentos externos, mas estão conquistando territórios. A Gerdau, maior produtora de aço longo da América Latina, tem subsidiárias em Argentina, Chile e Uruguai e planeja aumentar sua participação acionária nas siderúrgicas chilenas Diaco SA e Del Pacífico, que faturam juntas US$180 milhões ao ano.

No rol dos investimentos, há desde agências bancárias ¿ só o Banco do Brasil tem pontos em oito países ¿ e poços de prospecção de petróleo até restaurantes em capitais como Buenos Aires, Caracas e La Paz. Pontes ¿ como a que ligará as cidades de Bonfim, em Roraima, e Lethem, na Guiana ¿ e estradas também aparecem com freqüência na lista de empreendimentos.

¿ Hoje a integração entre países de um mesmo continente se dá pela ligação física. O Brasil levou muito tempo voltado para o Atlântico e o foco atual mostra uma mudança de postura e deixa claro o papel do Brasil ¿ avalia o secretário-executivo do Ministério dos Transportes, Paulo Sérgio Passos.

Não há dúvidas de que energia ainda é o carro-chefe da internacionalização brasileira, com a Petrobras sozinha dobrando nos últimos dois anos os investimentos em países como Bolívia, Peru e Equador. A estatal, cuja meta é investir US$53,6 bilhões até 2010, vai destinar ao continente metade dos US$7,5 bilhões previstos para negócios no exterior.

Ao BNDES cabe a maior parte dos financiamentos de obras de infra-estrutura, embora o Banco do Brasil comece a atuar neste ramo. Por meio do Proex (programa de apoio às exportações), está financiando, em parceria com a Comissão Andina de Fomento (CAF), uma estrada que servirá de saída para o Pacífico ao custo de US$700 milhões.

Para a Sobeet, entidade que reúne as empresas transnacionais, a maior presença do Brasil nos países vizinhos é um movimento natural. Antônio Corrêa de Lacerda, do conselho consultivo da Sobeet, lembra que o governo, ao promover a integração, também está atendendo ao interesse das companhias nacionais:

¿ As empresas têm forte interesse na integração para ampliar os negócios. A expansão nos países vizinhos se deve, do lado do governo, à estratégia de reafirmar a presença do Brasil no continente e, do lado das empresas, é o caminho natural da internacionalização pela proximidade do mercado.

`Não é um viés colonizador¿

A fragilidade de algumas democracias americanas não amedronta os investidores. Tanto Banco do Brasil como BNDES alegam que os contratos são seguros e garantidos pelos bancos centrais dos respectivos países. São os chamados CCRs (Convênios de Crédito Recíproco), espécie de fundo de compensação que proporciona a garantia dos contratos. O governo entende que a relação entre Brasil e países da América do Sul não tem qualquer verniz imperialista:

¿ Não é um viés colonizador, mas de integração. O governo está fazendo um grande esforço para financiar a integração, que é boa para todos ¿ garante o diretor de Comércio Exterior do Banco do Brasil, José Maria Rabelo.