Título: `A PREVIDÊNCIA É HOJE COMO UM BARCO CHEIO DE CRACA¿
Autor: Martha Beck, Flávia Barbosa e Sérgio Fadul
Fonte: O Globo, 22/05/2005, Economia, p. 34

Secretário do Tesouro Nacional analisa os desafios econômicos do governo

O secretário do Tesouro Nacional, Joaquim Levy, chega ao prédio do Ministério da Fazenda às 9h da manhã e costuma trabalhar até altas horas da madrugada. Segundo assessores, sua agenda ¿parece a de um médico do SUS¿. Levy está envolvido em praticamente qualquer assunto que passe pelo Ministério da Fazenda e é considerado um dos homens fortes da equipe de Antonio Palocci. Sobre o novo secretário-executivo da pasta, Murilo Portugal, que está vindo do Fundo Monetário Internacional (FMI), Levy é taxativo: ¿é o spalla (primeiro violinista de uma orquestra)¿. O secretário do Tesouro defende uma reestruturação da Previdência ¿ mas descarta nova reforma ¿ e a política de juros altos do Banco Central para conter a inflação. E critica a correção de preços administrados, como energia elétrica e telefonia.

Como o Tesouro Nacional tem trabalhado para atrair investidores para o país?

JOAQUIM LEVY: O Brasil tem uma infra-estrutura moderna para investimentos e quer torná-la mais transparente. A CVM (Comissão de Valores Mobiliários), por exemplo, tem hoje um sistema pelo qual é possível saber exatamente quais os papéis que existem nas carteiras dos fundos. A partir de agora, o Tesouro vai começar a consolidar e publicar essas informações. Vai ficar absolutamente flagrante, por exemplo, se um banco alongou sua carteira meramente criando risco para uma outra instituição. Com isso, a agência de rating e o investidor que optarem pelo banco vão ter muito mais informações e mais transparência.

Em que outras áreas o governo busca esse tipo de transparência?

LEVY: Nós precisamos de transparência na Previdência, por exemplo, e em outras áreas do governo. O efeito disso na produtividade e no bom funcionamento da economia é dramático.

Que avaliação o senhor faz da da Previdência hoje?

LEVY:A Previdência funciona hoje como se fosse um barco cheio de craca, que está navegando devagar. Mesmo que você aumente o combustível, o barco não anda mais rápido porque está cheio de craca. É preciso mandar um homem-rã passar uma máquina para limpar tudo. É isso o que estamos fazendo. Um esforço de governo para melhorar a Previdência. Até no nosso famoso projeto-piloto tem um dinheiro para investimentos na melhoria do sistema (R$100 milhões entre 2005 e 2007).

O que precisa ser mudado na Previdência Social ?

LEVY:Existem três pilares no trabalho que a Previdência deve fazer. Um deles é a melhoria da governança. A segunda parte tem a ver com o cruzamento de dados para garantir a concessão dos benefícios a quem merece. E, por último, há a própria supervisão da ação das pessoas que estão na ponta da distribuição dos benefícios. Existe um grupo de trabalho do Ministério da Previdência que está olhando isso, mas esse é um esforço de todo o governo. O objetivo final é limpar o que tem que limpar, e ver o que tem que fazer. Não adianta ficar inventando reforma a toda hora. Não é fácil, mas eu acho que tem motivação, tem compromisso político.

As dívidas de empresas com a Previdência Social hoje chegam a R$128 bilhões, sendo que há valores de apenas R$0,25, que atrapalham o funcionamento do sistema e a cobrança de valores que têm impacto real. Como solucionar esse problema?

LEVY: O problema da Previdência exige um trabalho muito grande. Realmente, um dos problemas que existem hoje no Brasil é que você trata uma dívida de R$300 como uma dívida de R$200 milhões. Temos que ter medidas legais em alguns casos para diferenciar isso.

O Tesouro também está estudando medidas para facilitar o acesso de investidores estrangeiros a títulos da dívida pública. O senhor poderia adiantar alguma?

LEVY: Estamos levantando os pontos cinzentos que podem dificultar a entrada de investidores no país para tentar modificá-los. Quem vai comprar um título público no país, por exemplo, precisa se registrar na Receita Federal. Isso, às vezes, demora três ou quatro dias, e nesse período o investidor recebe um protocolo. Agora vá explicar o que é um protocolo para alguém de Utah, sendo que nos Estados Unidos não existe protocolo. Temos que arrumar um jeito de lidar com isso. Não vamos mudar a tributação, mas podemos reduzir a burocracia.

A elevação dos juros básicos desde setembro do ano passado não está comprometendo seu trabalho de administração da dívida pública (mais de 50% atrelada à Selic)?

LEVY: A composição da dívida depende do apetite do investidor final. Hoje, dada a constelação de taxas de juros que existe (no mercado), títulos atrelados à Selic têm tido uma demanda grande. Mas a demanda dos papéis não é o Banco Central quem decide. Por outro lado, a parcela atrelada ao câmbio vai ter uma morte natural.

Mas o senhor não acha que o Banco Central tem exagerado na dose de juros?

LEVY: O Banco Central tem o compromisso de conter a inflação e tem que cumpri-lo doa a quem doer. A inflação baixa é uma proteção ao trabalhador. O salário real médio no Brasil nunca esteve tão alto, e isso é porque hoje nós não temos inflação alta.

Mas o que pressiona a inflação hoje são os preços administrados e isso fica fora do alcance da política monetária do Banco Central.

LEVY: Então a sociedade tem que ir atrás das empresas para saber por que as tarifas sobem tanto e pressionam a inflação. Não adianta só reclamar do Copom. De certo modo, ele é uma vítima da rigidez da economia. O que a gente tem que fazer não é dar missões impossíveis ao Copom, e sim mudar outras coisas. Tem que haver regulação e defesa do consumidor.

Que tarifas preocupam mais?

LEVY: Temos que entender por que as tarifas de energia crescem tanto. Na telefonia também. Aliás, na telefonia, em particular, eu fico perplexo com os preços. O mesmo ocorre com os ônibus municipais, cujas tarifas subiram muito nos últimos tempos. Esses temas merecem atenção. É preciso decompor esses valores para saber de onde vêm esses aumentos de custos.

O que mais é preciso fazer hoje para que a inflação não prejudique a economia?

LEVY: O real caminho é atuar nas áreas micro, que vão permitir que os custos das empresas caiam. É isso o que tem ocorrido graças à desoneração tributária feita pelo governo, por exemplo.

Com que estimativa de crescimento da economia o senhor trabalha hoje?

LEVY: Continuamos trabalhando com uma estimativa em torno de 4% do PIB. Mas se conseguirmos avançar nas questões da microeconomia, pode ser bem mais.