Título: UM LÍDER POPULAR, MAS SOB CRESCENTE PRESSÃO
Autor: Janaína Figueiredo
Fonte: O Globo, 22/05/2005, O Mundo, p. 42
Problemas sociais ameaçam imagem positiva conquistada por Kirchner entre argentinos em dois anos de poder
BUENOS AIRES. Em 25 de maio de 2003, o peronista Néstor Kirchner assumiu a Presidência da Argentina prometendo fundar um novo modelo de país no qual a dívida pública não seria paga ¿às custas de que cada vez mais argentinos não tenham acesso à educação, à saúde e a um emprego digno¿, segundo enfatizou após ser empossado. Em seus primeiros dois anos de gestão, Kirchner, de fato, endureceu o relacionamento com os organismos internacionais e renegociou 76% da dívida pública em mãos de credores privados, que perderam em torno de 60% do valor investido em bônus argentinos.
A Argentina se transformou num país levemente menos pobre, com uma economia que já acumula 28 meses consecutivos de crescimento, mas, paralelamente, aumentou a desigualdade social.
Num país que em dezembro de 2001 foi cenário de uma grave crise política, econômica e social que pôs em xeque a classe política, o presidente é hoje o dirigente com melhor imagem. Um presidente, afirmam analistas locais, ¿que conseguiu instaurar certa ordem institucional e começou a tirar o país do inferno¿. No entanto, a lista de problemas que Kirchner deve enfrentar é cada vez maior e promete complicar os próximos meses de governo. O aumento da inflação já chegou ao bolso da classe média, diferentes setores sociais saíram às ruas para exigir aumentos salariais e denúncias de corrupção voltaram a rondar a Casa Rosada.
¿ A imagem positiva do presidente alcança 60% e sua popularidade se deve, basicamente, à dureza mostrada nas negociações com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e à reativação da economia ¿ diz ao GLOBO a analista Graciela Romer.
Segundo ela, os aspectos negativos da gestão Kirchner são ¿a falta de controle dos movimentos de desempregados (os chamados piqueteiros), o aumento da desigualdade social e da insegurança, e a baixa qualidade institucional do país¿.
Argentinos abaixo da linha de pobreza são 9,4 milhões
Desde que Kirchner chegou ao poder, a renda média das famílias argentinas cresceu 37,9%. Porém, hoje os 10% mais ricos ganham 28,94 vezes mais dos que os 10% mais pobres. Em maio de 2003, a diferença era de 24,25 vezes. No segundo semestre de 2004, a taxa de pobreza caiu de 44,3% para 40,2%, o que significa que 9,4 milhões de argentinos, de um total de 37 milhões de habitantes, vivem abaixo da linha da pobreza. Ainda um dramático recorde para o país.
¿ Somos um país rico e hoje 25% dos argentinos são indigentes. Continuam existindo escândalos de corrupção e um clima de absoluta impunidade ¿ afirma a deputada Alicia Castro, líder da Frente para a Mudança, que enfrentou uma dura disputa com o governo no começo deste ano, quando veio à tona um escândalo envolvendo o tráfico de 60 quilos de cocaína para a Espanha.
¿ Existe uma poderosa rede de narcotráfico na Argentina que tem fortes vínculos com o poder. A empresa que transportou a cocaína (a companhia aérea Southern Winds) recebia um subsídio estatal e os funcionários do setor de transportes até agora não foram afastados ¿ assegura Alicia, que, em compensação, destaca o impulso dado por Kirchner ao vínculo com o Brasil e com a Venezuela.
Além do ¿escândalo Southern Winds¿, empresas de comunicação locais como a revista ¿Notícias¿, forte opositora do governo, deram grande destaque a supostas pressões exercidas por funcionários kirchneristas contra empresas americanas que operam no país. Segundo versões publicadas na imprensa nacional, funcionários do governo teriam pedido dinheiro em troca de favores estatais.
Foco na melhoria das condições de vida
Mas os kirchneristas não parecem preocupados. Muito pelo contrário, consideram que o presidente ¿ que assumiu o poder com apenas 22% dos votos, ¿ está obtendo legitimidade por meio de uma gestão honesta e focalizada na melhoria das condições de vida da população.
¿ Muitos dizem que Kirchner é autoritário, mas estão confundindo autoritarismo com autoridade. A Argentina precisa de um presidente que defenda com firmeza os interesses do país ¿ pondera o subsecretário de Integração Econômica da Chancelaria, Eduardo Sigal, antigo colaborador de Kirchner.
Sigal, como todos os kirchneristas, apostam numa expressiva vitória do Partido Justicialista (PJ) nas próximas eleições para renovar parte da Câmara, do Senado e das Assembléias Legislativas, em outubro, primeiro grande teste eleitoral do governo.
¿ As eleições parlamentares de outubro serão o segundo turno que Kirchner não teve graças ao ex-presidente Carlos Menem (1989-1999), que renunciou à candidatura três dias antes da votação ¿ admite uma alta fonte do governo.
Colaboradores de Kirchner já pensam em reeleição
Alheios às críticas, os colaboradores do presidente já pensam em disputar a reeleição em 2007. Hoje Kirchner controla ambas as Câmaras do Congresso e governa quase sem oposição. Os ex-candidatos à Presidência Ricardo López Murphy e Elisa Carrió não representam uma alternativa de poder no país, dizem analistas. Durante quase toda a campanha eleitoral de 2003, Kirchner, que na época era desconhecido de grande parte da população, foi considerado um candidato fraco, com poucas chances de conquistar o poder. Quando desembarcou na Casa Rosada, setores opositores apostaram que não duraria mais de um ano no cargo. Hoje, Kirchner é o homem forte do país e promete permanecer no poder por muitos anos.