Título: Três dilemas
Autor: Míriam Leitão
Fonte: O Globo, 21/05/2005, Economia, p. 28
Uma semana. Três dilemas. A crise política se agrava e o governo tem que debelar a crise, mas não sabe como. A taxa de juros subiu pela nona vez e a inflação permanece alta; como enfrentar o problema se a política monetária parece não estar fazendo efeito? O governo divulgou a segunda maior taxa de desmatamento da Amazônia. Como enfrentar isso se parte do sucesso atual se deve à exportação do agressivo agronegócio brasileiro?
O desmatamento brasileiro foi notícia de primeira página em muitos jornais estrangeiros. O pior deles foi o "The Independent": "O estupro da floresta e o homem responsável por isso". Era uma referência ao governador de Mato Grosso, Blairo Maggi. "A Amazônia morre. Lula é acusado", disse o italiano "Corriere della Sera". A ministra Marina Silva diz que não se deve fazer jogo de empurra, mas lembra os números que apontam para o estado de Mato Grosso como o epicentro desse terremoto.
Os números de desmatamento sempre medem da metade de um ano até a metade do ano seguinte. Nos dados de desmatamento de 2001-2002, o estado representou 35% da área desmatada. Nos de 2002-2003, subiu para 42%. No dado divulgado esta semana, subiu de novo: para 48%. No mesmo período, o número do Pará caiu de 36% para 25%.
Os números apontam para um dos maiores dilemas do Brasil: o país tem que aprender a conciliar o crescimento econômico e o respeito ao meio ambiente, sua vocação de produtor de alimentos, com manutenção de um padrão sustentável de exploração econômica. E está claro que essa conciliação não houve. Nem dentro do próprio governo - onde cada ministério tem uma linguagem - e muito menos na economia.
A ministra Marina tenta ainda convencer seus interlocutores de que os seus esforços darão certo, que nunca se fez tanto esforço na direção certa, nunca se criou tanta unidade de conservação. Mas os números não mentem: esse é o segundo pior estrago já feito na floresta. O primeiro foi em 95, ano em que o Brasil cresceu fortemente.
Mais do que conflito entre os ministérios do Meio Ambiente e da Agricultura, o que fica claro é que o Brasil não sabe crescer sem destruir. Cada lado está em seu gueto e não consegue ver a lógica do outro lado.
O dilema dos juros está se tornando cada vez mais agudo. Depois de subir nove vezes a taxa, o resultado em termos de controle da inflação é pífio. No horizonte, há alguns sinais tranqüilizadores, mas se aplicou uma superdose de juros e a inflação deveria ter despencado a essa altura.
Existem contradições na política econômica, como já se disse aqui nesta coluna. O mesmo governo que tenta parar o consumo com os juros, elevou o consumo com crédito consignado e gastos públicos. O mesmo Banco Central que derrubou o câmbio, foi o que tentou segurar o câmbio tirando US$20 bilhões da economia em compras diretas e resgate de títulos. As contradições tiram a potência da política monetária e fazem com que os juros altos só sirvam para elevar o custo da dívida pública. O governo se conforma com dados que dão uma falsa impressão de saúde, como os do recorde de arrecadação do mês de abril.
A crise política paralisa o Congresso há meses e vai continuar paralisando. O governo, que subiu no palanque antes da hora, não consegue aproveitar seu mandato no comando para implantar seu projeto. Seja lá o que for ele, a esta altura. O dilema aqui é entre governar e lutar pelo segundo mandato, numa briga que ele mesmo antecipou.