Título: BRASIL E ARGENTINA QUEBRAM O GELO, MAS VIZINHO NÃO GARANTE O FIM DE BARREIRA
Autor: Eliane Oliveira
Fonte: O Globo, 21/05/2005, Economia, p. 28
Amorim e Bielsa vão propor a seus presidentes protocolos em várias áreas
BRASÍLIA e FRANCA (SP). Um encontro ontem dos ministros das Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim, e da Argentina, Rafael Bielsa, atenuou a crise que se arrasta há algumas semanas entre os dois países, mas não trouxe qualquer garantia de que os argentinos darão uma trégua na aplicação de novas medidas protecionistas contra as exportações brasileiras.
Segundo Amorim, a idéia é dar uma grande virada nas relações bilaterais com um ambicioso programa de aprofundamento de uma série de protocolos, até 30 de novembro, dia da Amizade Brasil e Argentina, e data em que foi assinada a primeira carta para a formação do Mercosul. Bielsa preferiu não assumir compromissos. Indagado se a Argentina suspenderia qualquer tipo de medida unilateral, o chanceler argentino respondeu:
- Essa pergunta dá a entender que a Argentina é um sócio incômodo. Sim, a Argentina é um sócio incômodo, pouco confortável, porque reivindicamos coisas, damos idéias, mas não somos um sócio caprichoso. Não há irracionalidade na nossa posição. Há uma necessidade.
Após mais de três horas de conversa, uma proposta
A visita de Bielsa a Brasília teve por objetivo interromper as sucessivas trocas de farpas, numa briga que começou com os argentinos se queixando da busca pelo Brasil por liderança em fóruns internacionais, como a Organização Mundial do Comércio (OMC) e o Conselho de Segurança das Nações Unidas. E que chegou a seu ponto máximo na semana passada, quando o presidente Néstor Kirchner deixou a Cúpula América do Sul- Países Árabes antes de a reunião terminar.
Apesar dos argumentos genéricos que têm sido apresentados, o pano de fundo desse eterno impasse é comercial. Os argentinos insistem num acordo permitindo a adoção de salvaguardas temporárias para suas indústrias, caso haja uma mudança brusca na economia brasileira.
Já o Brasil sugere que os dois países comecem a trabalhar juntos pela integração das cadeias produtivas, formando pólos de exportação para terceiros mercados.
Após três horas e meia de conversa, Amorim e Bielsa - que em seguida foi recebido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva - informaram que vão propor a seus presidentes um encontro para a assinatura de protocolos nas áreas de energia, cooperação nuclear e militar, transportes e, provavelmente, comércio.
- O fato é que não podemos fazer disso uma partida de futebol: se a solução é boa para nós, ganhamos, se é boa para os argentinos, eles ganham. Muitas vezes, os problemas se devem à falta de diálogo, principalmente, entre os empresários - ressaltou Amorim.
Ontem, em Buenos Aires, o presidente Néstor Kirchner mostrou-se irritado com os que consideram irreverentes suas divergências com o governo brasileiro:
- Continuarei a discutir com o Brasil e, digam o que quiserem, o que interessa é que a Argentina siga em frente.
O ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, informou que a indústria brasileira de calçados deve propor uma maior segmentação de produtos aos fabricantes argentinos. Segundo Furlan, a indústria nacional quer cotas somente para calçados de couro, cujos preços chegam a US$20. Já os argentinos querem um único pacote, incluindo sandálias de material sintético, que valem pouco mais de US$1.
- A idéia do Brasil é segmentar essa negociação, até porque no caso das sandálias não há produção argentina significativa, e os concorrentes dos brasileiros são de outros países - explicou o ministro.
COLABOROU Ronaldo D'Ercole