Título: BRASIL LIMITARÁ IMPORTAÇÃO DE PRODUTOS CHINESES
Autor: Eliane Oliveira e Ronaldo D'Ercole
Fonte: O Globo, 21/05/2005, Economia, p. 29

Governo pode estabelecer cotas ou tarifas para proteger setores prejudicados, como os de têxteis, calçados e eletrônicos

BRASÍLIA e FRANCA (SP). O Brasil já prepara o terreno para aplicar salvaguardas limitando as importações da China. Serão criados, nos próximos dias, os instrumentos legais que permitirão ao governo abrir processos e aplicar cotas ou tarifas adicionais a pedido dos setores que estão se sentindo prejudicados com o crescimento das compras de produtos da China. Só nos quatro primeiros meses deste ano, as importações de produtos chineses subiram 58% (de US$908 milhões para US$1,437 bilhão) em relação ao mesmo período do ano passado.

- Com a publicação dos dois decretos, os setores que se sentirem prejudicados poderão procurar o Departamento de Defesa Comercial. Antes, isso não era possível - disse o secretário de Comércio Exterior, Ivan Ramalho, que anunciou a medida acompanhado do secretário-executivo da Câmara de Comércio Exterior (Camex), Mário Mugnaini.

O ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, disse ontem que não teme problemas para as exportações brasileiras à China por causa da decisão do governo, de regulamentar a adoção de salvaguardas para eventuais violações das regras de comércio por empresas chinesas que vendem seus produtos ao Brasil. Segundo Furlan, o governo nada mais fez do que se valer de uma prerrogativa que foi dada pela própria China quando ingressou na Organização Mundial do Comércio (OMC), e que é utilizada por outros países.

- Nós não estamos tomando nenhuma medida unilateral ou arbitrária. Simplesmente estamos exercendo um direito que foi dado a todos os membros da OMC de regulamentar medidas, como já fazem outros países - disse Furlan, depois de anunciar pessoalmente a decisão do governo a empresários do setor calçadista de Franca (SP), o maior pólo exportador de calçados do país.

As salvaguardas serão regulamentadas em dois decretos já assinados anteontem pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Serão beneficiados, particularmente, os setores brasileiros de calçados, eletroeletrônicos e de têxteis e confecções. Assim, a regulamentação será feita de duas formas: uma para têxteis e vestuário, e outra para produtos em geral.

A criação de salvaguardas específicas é uma espécie de pedágio que ajudou a China a entrar, em 2001, na OMC. O decreto instituindo esse tipo de proteção para todos os produtos, à exceção dos têxteis, é baseado no artigo 16 do documento oficializando o ingresso dos chineses na OMC. Esse dispositivo vai vigorar até 2013. Já as salvaguardas para têxteis e confecções valerão até 2008 e estão previstas no artigo 292 do Acordo de Têxteis e Vestuário.

Diversos países, como os EUA e a Argentina, já haviam regulamentado as salvaguardas específicas. O Brasil, porém, só tomou a decisão após a pressão de vários setores empresariais brasileiros, preocupados com a "invasão" de produtos chineses no país e a conseqüente perda de competitividade frente aos importados.

- As salvaguardas devem ser feitas de duas maneiras: por meio de cotas ou de uma tarifa adicional ao imposto de importação vigente. As duas medidas podem também ser usadas de forma combinada e ao mesmo tempo - disse Ramalho.

Ele não descartou a possibilidade de o governo brasileiro aplicar essas medidas antes de ser concluído o processo de investigação. Isso será possível se o setor prejudicado comprovar a ocorrência de danos.

- Se conseguirmos um acordo entre as indústrias brasileiras e os exportadores chineses, certamente não precisaremos usar as salvaguardas, mas, sem a regulamentação, nada podíamos fazer - disse Mário Mugnaini.

Governo foi pressionado por segmentos prejudicados

Normalmente, os processos levam até um ano para serem concluídos. Mas o governo brasileiro pretende dar urgência a esses casos e espera resolvê-los em, pelo menos, dois meses. Segundo Furlan, o governo vinha recebendo muitas reclamações de setores que se sentem "atingidos por variadas maneiras de concorrência desleal".

Até agora, o governo estava de mãos atadas porque o acordo de salvaguardas da OMC estabelece que medidas protecionistas devem atingir todos os países exportadores, e não apenas um. Foi o que foi feito pelo Brasil há algum tempo com tecidos, confecções e brinquedos. Por isso foi necessário regulamentar salvaguardas específicas para a China, o que não aconteceu antes em razão da política de boa vizinhança com os chineses, que estreitaram suas relações com o Brasil no governo Lula.

Na pauta de importação da China se destacam desde insumos e componentes para produção de telefones celulares até bens de consumo em geral. As compras de confecções chinesas nos quatro primeiros meses de 2005 subiram 148%; de filamentos, fios e tecidos, 170%; químicos, 55%; aparelhos de vídeo, 227%; aparelhos de áudio, 23%; máquinas e equipamentos industriais, 60%; fechaduras e cadeados, 62%; e produtos cerâmicos e vidros, 71%.

(*) Enviado especial

'Estamos exercendo um direito que foi dado a todos os membros da OMC de regulamentar medidas'

LUIZ FERNANDO FURLAN

Ministro do Desenvolvimento

'O governo deve também atuar no combate à importação ilegal e investir na infra-estrutura produtiva'

PAULO SAAB

Presidente da Eletros

inclui quadro: comércio em números