Título: Cuba expulsa 15 europeus
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Fonte: O Globo, 21/05/2005, O Mundo, p. 33
UE condena tratamento a políticos que iam a reunião de dissidentes e ameaça retomar sanções
Uma importante reunião de dissidentes cubanos em Havana causou uma estridente crise diplomática entre o governo de Cuba e a União Européia (UE), depois que parlamentares, jornalistas e funcionários europeus que compareceriam ao evento foram expulsos da ilha ou detidos. O encontro dos cerca de 120 oposicionistas à ditadura de Fidel Castro - segundo os organizadores o maior desde a Revolução Cubana em 1959 - ocorreu sem intervenção da polícia nos arredores de Havana. A UE, no entanto, classificou de inaceitável o tratamento dado aos 15 cidadãos de países do bloco e ameaçou com a reimposição de sanções diplomáticas a Cuba, levantadas em janeiro por seis meses.
O governo cubano não deu explicações para a expulsão ou prisão dos 15 estrangeiros: dois deputados, três jornalistas, um membro de ONG e dois intérpretes poloneses, um senador tcheco, um deputado alemão, um jornalista italiano, duas ex-senadoras e um deputado espanhóis, além de um assistente parlamentar cuja nacionalidade não ficou clara. O senador tcheco Karel Schwarzenberg, o deputado alemão Arnold Vaatz e o espanhol Jordi Xuclá foram levados ao aeroporto. As duas ex-senadoras espanholas já tinham sido expulsas anteontem. Os demais foram detidos. Na terça-feira, dois eurodeputados poloneses foram impedidos de desembarcar e obrigados a retornarem à Europa.
As críticas da UE não se fizeram esperar. Em janeiro, o bloco levantou por um período probatório de seis meses as sanções impostas em 2003 quando Havana endureceu a repressão. O governo cubano tem feito ouvidos surdos aos apelos da UE para a libertação de 61 dissidentes presos. Após os incidentes dos últimos dias, reforçaram-se os apelos a que elas sejam reintroduzidas no encontro de chanceleres da UE em junho.
- Isto não é aceitável. Quando tais incidentes se repetem, até os melhores amigos de Cuba encontram dificuldades para manter suas posições - criticou Amadeu Tardio, porta-voz da Comissão Européia.
Gritos de 'liberdade' e 'abaixo Fidel'
As chancelarias dos países envolvidos convocaram os embaixadores cubanos para exigir explicações. O governo polonês condenou o episódio como "uma clara violação da lei internacional".
Os dissidentes reunidos em Havana no Primeiro Congresso Democrático Cubano eram representantes de dezenas de grupos de oposição que se congregam na Assembléia para Promover a Sociedade Civil (APSC). O encontro foi a primeira reunião do gênero e tinha por objetivo pressionar por reformas democráticas na ilha e exigir a libertação de prisioneiros políticos. "Liberdade, liberdade!" e "Abaixo Fidel Castro!" foram gritos ouvidos no quintal da casa de um dissidente nos arredores de Havana onde ocorre a reunião, que se encerra hoje.
- Nenhum Estado, nenhum regime, nenhum partido tem o direito de controlar uma nação inteira. É por isso que estamos aqui - criticou a economista Martha Beatriz Roque, líder da APSC
A organização conta com o apoio dos Estados Unidos e o presidente George W. Bush disse aos dissidentes por meio de uma mensagem de vídeo que seu governo vai continuar apoiando o desejo de mudanças políticas na ilha.
- Vamos manter a pressão até que o povo cubano tenha em Havana a mesma liberdade que tem nos Estados Unidos - enfatizou Bush.
Tal apoio levou importantes dissidentes a boicotarem o encontro, alegando que Martha Roque está fazendo o jogo do governo ao aceitar o apoio de Washington e dos grupos cubano-americanos de Miami. Isso, segundo eles, poderia dar a Fidel justificativas para endurecer a repressão.
Diplomatas de EUA, Holanda, República Tcheca e Polônia participaram como observadores.
BOXE EXPLICATIVO
> Conheça a dissidência cubana
VLADIMIRO ROCA
Cumpriu quase cinco anos de prisão e foi libertado em maio de 2002, dias antes da visita do ex-presidente Jimmy Carter, dos EUA
RAUL RIVERO
Membro do Grupo dos 75, o jornalista foi libertado por razão de saúde em novembro após cumprir 20 meses da sentença de 20 anos
OSWALDO PAYÁ
Proponente do Projeto Varela, um plano de reformas políticas e econômicas que prevê mais liberdades na ilha de Fidel Castro
A oposição a Fidel Castro não está organizada em torno de um nome que galvanize a dissidência, mas sim dividida em uma grande quantidade de grupos que procuram encontrar uma forma de fazer uma frente única ao regime comunista que governa a ilha desde 1959.
GRUPO DOS 75: Em 2003, a oposição sofreu um grande golpe com a prisão do chamado Grupo dos 75, na maior onda de repressão desde a chegada de Fidel ao poder. Eles foram acusados de conspirar contra o regime e receberam sentenças de até 28 anos de prisão. Em novembro de 2004, foi libertado o jornalista Raul Rivero, que tinha sido condenado a 20 anos de prisão sob a acusação de ser agente dos EUA. Na ocasião, ele disse que era um homem livre "sem raiva, com uma posição construtiva, e não beligerante. Acredito que há esperanças".
DAMAS DE BRANCO: Após as prisões em 2003, mães e mulheres de dissidentes presos formaram o grupo Damas de Branco - nome tirado de suas roupas - para exigir que fossem libertados. Em março, elas passaram três dias fazendo jejum e rezando, terminando o protesto com uma missa e uma passeata.
PROJETO VARELA: Nos últimos anos, ganhou destaque o Projeto Varela, plano de redemocratização e reforma econômica do dissidente Oswaldo Payá, um dos principais nomes da oposição cubana e líder do grupo Movimento Cristão Libertação. Em 1998, Payá reuniu 14 mil assinaturas e apresentou o plano à Assembléia Nacional, defendendo a realização de um referendo sobre eleições em Cuba. O Projeto Varela prevê também a ação livre da oposição, a liberdade de expressão e de reunião, a libertação de todos os presos políticos e o direito à propriedade privada (atualmente concedido somente aos estrangeiros). Dos membros do Grupo dos 75, 40 eram ligados ao plano de Payá.
ASSEMBLÉIA PARA PROMOVER A SOCIEDADE CIVIL: Outro grupo importante é a Assembléia para Promover a Sociedade Civil (APSC), presidida pela economista Martha Beatriz Roque, a única mulher no Grupo dos 75. Ela também fora condenada a uma dura pena de prisão, mas foi libertada no ano passado por motivos de saúde e vem se dedicando à organização, que reúne 360 grupos oposicionistas ao regime de Fidel, segundo a APSC.
OUTROS GRUPOS: Outros grupos importantes são o Arco Progressista e o Cambio Cubano, dirigidos respectivamente pelos dissidentes Manuel Cuesta Morua e Eloy Gutiérrez Menoyo. Os dois e Payá criticaram o encontro organizado pela APSC e se negaram a participar. Os três líderes têm divergências com a economista Martha Beatriz Roque, acusando-a de ligações com o governo americano. "Ela está a favor do bloqueio americano e das últimas medidas de Bush para reforçá-lo. Isso não é uma oposição independente", disparou Menoyo.
Legenda da foto: A LÍDER DISSIDENTE Martha Roque segura um microfone diante de um laptop, amplificando a mensagem de Bush