Título: PESCA PREDATÓRIA REDUZ EM 80% A PRODUÇÃO DE LAGOSTA
Autor: Leonardo Valente
Fonte: O Globo, 21/05/2005, O Mundo / Ciencia e Vida, p. 35

Em dez anos, quantidade pescada caiu de cerca de oito mil toneladas para menos de 2.500 toneladas anuais

Em dez anos, a pesca predatória reduziu a produção de lagosta em 80% no litoral brasileiro. Desde 1995, a quantidade pescada do crustáceo por ano caiu de cerca de oito mil toneladas para 2.500 toneladas. Segundo especialistas, a atividade entrou em colapso e o motivo principal é a captura de animais jovens, antes de entrarem na fase reprodutiva. E a situação deve piorar ainda mais. Na opinião de pesquisadores, a liberação pelo Ibama em abril da pesca com a caçoeira, uma espécie de rede de arrasto, pode fazer com que mais filhotes sejam mortos.

Segundo o chefe do Laboratório de Biologia Pesqueira da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, o biólogo Jorge Lins, a pesca predatória se dá em todo o litoral onde a atividade é lucrativa, do Piauí ao norte do Espírito Santo. A situação é mais grave, no entanto, no Ceará e no Rio Grande do Norte, os dois maiores produtores nacionais.

- A situação é grave e vem piorando a cada ano. A redução da quantidade de lagostas no litoral é enorme e em pouco tempo essa atividade econômica vai se tornar inviável, com conseqüências sociais muito grandes, pois milhares de famílias de pescadores dependem dela - sustenta ele.

Caçoeira artesanal poderá ser usada até agosto

A caçoeira foi liberada no dia 1º, quando começou a temporada de captura do crustáceo. O uso da rede está autorizado entre o Piauí e o Espírito Santo, mas continua suspensa em Pará, Amapá e Maranhão. Durante um período de 90 dias estará autorizado inclusive o uso de caçoeira artesanal, com monofilamentos, e que captura muitos filhotes. Após este prazo, os pescadores devem passar a usar apenas as caçoeiras de multifilamentos, consideradas menos agressivas ao meio ambiente. Elas possuem malha maior, que impede a captura de animais pequenos. Além disso, a caçoeira de multifilamentos se rompe ao tocar em corais, impedindo que animais fiquem presos no fundo do mar.

A caçoeira foi proibida em 2002 por prejudicar a reprodução da lagosta, mas a medida foi postergada anualmente durante o período de crescimento dos animais, em que a pesca não é permitida. O atual recuo é uma decisão de governo que avaliou quatro alternativas, desde manter a proibição total, o que causaria grande impacto no setor, à liberação irrestrita da caçoeira, que teria grande impacto sobre as populações da lagosta. Optou-se, então, por uma proposta intermediária.

- Desse jeito a quantidade do crustáceo continuará a diminuir. É preciso medidas consistentes a médio e longo prazos. Os pescadores precisam ser capacitados e conscientizados - alerta Lins.

Ibama quer plano de gestão para o crustáceo

Independentemente da instrução normativa, o Ibama quer que o comitê da lagosta proponha um plano de gestão do crustáceo com ações a longo prazo necessárias à recuperação de estoques. O diretor de Fauna e Recursos Pesqueiros do instituto, Romulo Mello, fez um alerta no início de mês dizendo que "se o setor não assumir o compromisso com a sustentabilidade da pesca da lagosta, o que vai desaparecer não é só o recurso pesqueiro. É o próprio pescador também."

Mesmo tendo um dos mais extensos litorais do mundo, a produção de lagosta no Brasil é ínfima se comparada à de outros países, como o Canadá, que pesca 40 mil toneladas por ano e até mesmo Cuba, cujo litoral é bem restrito mas que tem uma produção anual de 11 mil toneladas. Quase 100% da produção brasileira é voltada para a exportação e o faturamento em 2004 foi de cerca de US$70 milhões.

Os trabalhos de fiscalização e conscientização, segundo Lins, também precisam ser direcionados para a pesca industrial. Um barco artesanal ou uma jangada a vela consegue retirar do mar no máximo 30 quilos numa pescaria de vários dias. A produção de um grande barco pesqueiro a motor é de mais de mil quilos por dia:

- Muitos desse grandes barcos de pesca estão saindo do litoral do Nordeste, que não dá mais tanto lucro, e ganhando a Região Norte, principalmente o Pará, em busca de estoques maiores. É preciso impedir a disseminação da atividade predatória, o que piora ainda mais o quadro.