Título: Ex-chefe dos Correios é indiciado por corrupção passiva e fraude em licitação
Autor: Jailton de Carvalho
Fonte: O Globo, 25/05/2005, O País, p. 4

Apesar do que tinha dito em fitas, Marinho inocenta Roberto Jefferson

BRASÍLIA. O ex-chefe do Departamento de Contratação dos Correios Maurício Marinho foi indiciado ontem pela Polícia Federal por corrupção passiva e fraude de licitação, depois de prestar um depoimento considerado contraditório e inconsistente pelo delegado Luís Flávio Zampronha de Oliveira, da PF.

No depoimento, Marinho alegou que os R$3 mil que foi flagrado em fita de vídeo recebendo de empresários seriam de um adiantamento feito por dois supostos representantes de uma empresa americana. O dinheiro seria um adiantamento para uma parceria dele com os empresários. Marinho disse que não cometeu nenhum crime em troca do dinheiro e inocentou o presidente do PTB, deputado Roberto Jefferson (RJ), que, nas fitas, ele apontava como o chefe de um esquema de irregularidades nos Correios.

O ex-chefe dos Correios disse que seu erro foi falar demais e reclamou de ser vítima de uma armação de interessados na desestabilização política. Ele afirmou que vai entregar os R$3 mil a uma instituição de caridade.

Perguntado sobre a importância da CPI dos Correios, Zampronha disse que a apóia, mas não sabe se seria o caminho ideal para a apuração do caso.

¿ Acredito que uma CPI possa fazer surgir novos elementos. Mas o trabalho da PF é independente. Pode ser que ajude. Pode ser que atrapalhe. Nunca trabalhei com CPI ¿ afirmou.

Depoimento de Marinho durou nove horas

O depoimento começou por volta de 9h30m e acabou oito horas depois. Numa entrevista após o interrogatório, Marinho isentou Jefferson de qualquer vínculo com as supostas fraudes. O ex-chefe dos Correios disse que as declarações sobre a rede de tráfico de influência do presidente do PTB não passaram de exageros verbais:

¿ Aquilo foi uma bravata. Não tenho relacionamento político com ninguém.

Também numa tentativa de dissociar a imagem do presidente do PTB do escândalo nos Correios, Sebastião Coelho da Silva, um dos advogados de Marinho, afirmou que o cliente teve apenas três encontros com Jefferson. Eles teriam se encontrado num aeroporto e numa festa de aniversário. O advogado não informou o lugar do terceiro encontro. Coelho negou que Marinho tenha combinado previamente com Jefferson a versão que apresentaria na Polícia Federal.

Homens representariam empresa americana

Marinho passou boa parte do depoimento tentando convencer o delegado de que fora vítima de uma armação de cunho político. Ele admitiu ter recebido os R$3 mil de dois homens identificados com Vitor e Goldman, mas alegou que os recursos eram parte de um adiantamento sobre um empreendimento futuro, numa parceria que ele planejava fazer com os dois supostos representantes da Gold Equipaments, uma empresa americana fictícia.

¿ Surgiu (na conversa com Vitor e Goldman) a oportunidade de se ter um negócio futuro. Nós começamos a discutir essa possibilidade. Como havia uma armação, no final eles me entregaram (o dinheiro). Foi um ato impensado ¿ disse Marinho.

O ex-chefe do departamento de Contratação dos Correios afirmou, no entanto, que não fraudou licitação alguma em troca do dinheiro. Para Marinho, na verdade, os dois homens não representavam empresa alguma e não tinham interesse em negócio algum nos Correios. Eles queriam apenas gravar as cenas do suborno para incriminar Marinho e as demais pessoas que ele citava na conversa.

Ainda segundo o ex-chefe dos Correios, Vitor e Goldman seriam nomes fictícios usados pelos dois falsos empresários para dificultar futuras investigações da polícia. A conversa teria sido gravada entre março e abril em quatro reuniões.

¿ Não existe empresário, não existe empresa, é uma armação. A gravação não foi feita de uma única vez ¿ disse.

Delegado considerou explicação frágil

O delegado considerou frágil a explicação de Marinho para o recebimento do suposto suborno, mas não descarta a possibilidade de o ex-chefe do departamento de Contratação dos Correios ter sido, de fato, alvo de uma armação. Zampronha vai tentar identificar os autores da gravação, considerados por ele extremamente hábeis.

¿ A versão de que o dinheiro era para uma consultoria não é convincente. Ele foi gravado recebendo dinheiro. Ele admite que recebeu um valor dentro dos Correios. Isso é um fato grave. Por isso ele foi indiciado ¿ disse o delegado.

No início da noite, Zampronha interrogou por duas horas Fernando Godoy, ex- assessor do ex-diretor do departamento de Administração dos Correios Antônio Osório. Godoy, porém, não foi indiciado.

¿ Não tenho culpa alguma ¿ disse Godoy, ao sair da superintendência da PF com um sorriso estampado no rosto.

Hoje, PF tentará interrogar Antônio Osório

Hoje, a PF tentará interrogar Osório, ex-deputado pelo PTB. Ele deveria ter prestado depoimento ontem. Enquanto a Polícia Federal tentava ontem, sem sucesso, intimá-lo, Osório participava durante toda a tarde, em Brasília, da reunião da executiva nacional do PTB. Saiu do encontro sem dar declarações.