Título: Águas turvas
Autor:
Fonte: O Globo, 26/05/2005, Opinião, p. 6

Otema da corrupção domina a vida brasileira ¿ talvez por falta de outros assuntos relevantes. O paradoxo é que o PT, antes de ser governo, fez do combate à corrupção uma de suas bandeiras. Chegou a mostrar verdadeira obsessão em provar que FHC era um novo Collor.

Instalado no poder, é como se tivesse mordido do próprio veneno. O partido não tinha experiência da administração na escala mais vasta. O velho fisiologismo é da natureza humana ¿ e fica mais forte depois de uma longa abstinência.

Coisa que certamente não ajuda é a enorme quantidade de cargos públicos que ficam à disposição de cada novo governo. Em países mais civilizados não é assim. A França, por exemplo, tem uma respeitável tradição de serviço público ¿ pessoas que fazem carreira na administração pública, e que passam de um governo para o outro. No Brasil, algo precisaria ser feito nessa direção ¿ ou a cada quatro anos teremos um fim de mundo.

Ao mesmo tempo, é importante lembrar (e o governo não deixa de ter razão nisso) que quando se quer diminuir a taxa de corrupção, pode haver turbulência atmosférica. De uns anos para cá, a sociedade ficou mais crítica (e mais impaciente) em face de casos de corrupção ¿ tendo-se tornado gato escaldado depois da era Collor. Surgiram mecanismos novos de apuração, alguns da própria sociedade, outros do poder público. O essencial, agora, é que os casos apurados caminhem para a sua conseqüência lógica, com a punição dos responsáveis. Não há outro modo de dissipar a desconfiança que se instalou na opinião pública.