Título: CUSTO/BENEFÍCIO
Autor: Gilberto Ramos
Fonte: O Globo, 26/05/2005, Opinião, p. 6

Amídia está repleta de escândalos envolvendo políticos de todos os escalões, regiões e partidos. De chacinas, assaltos e corrupção já estamos fartos. O grande perigo é nos tornarmos insensíveis diante deste apocalipse.

A morte de um jovem negro numa comunidade pobre já não tem qualquer repercussão. É só mais um cadáver. A imprensa, sem mais delongas, já o rotulou de traficante e, portanto, não percamos tempo com o defunto barato. Investigação? Nem pensar. Custa tempo e dinheiro. Amanhã será outro dia e temos mais o que fazer. Lentamente, vamos criando autodefesas, e a insensibilidade vai nos embrutecendo. A vida dos outros não tem conexão com a minha, pensamos todos num espasmo de egoísmo.

No caso da corrupção, ao contrário, isso tem tudo a ver com cada um de nós, porque é o nosso dinheiro que o picareta está levando. A Transparência Internacional disse que a corrupção leva 10% do PIB nacional. É muito emprego perdido.

Lembro-me de uma cena que vi na televisão não faz muito tempo: uma alta autoridade do governo japonês entra no estúdio, saca uma arma e dá um tiro na cabeça. Antes, teve tempo de fazer uma boa ação: deixou uma carta inocentando companheiros suspeitos e pedia desculpas à família por expô-la a esta vergonha.

Essa maneira de se eximir do crime de corrupção pelo autoflagelo moral, infelizmente, ainda não chegou no Brasil. Como nos ensina David Pyle no seu clássico ¿Cortando os custos do crime¿, todo e qualquer criminoso, antes de cometer o delito, leva em consideração a relação custo/benefício. Valerá a pena matar, achacar e roubar? Qual a pena se o crime for descoberto?

A primeira fração que se mostra favorável ao criminoso é a quase certeza de que a investigação não será exitosa e, talvez, nem será iniciada. A segunda avaliação também é animadora para o delinqüente: a pena, se houver, certamente será pequena e encurtada pelas filigranas da Lei das Execuções Penais. No caso da corrupção envolvendo figurões da política, bastaria a aplicação do art. 332 do Código Penal (¿Exploração de prestígio¿) para nos livrarmos de alguns notórios personagens. Embora a pena prevista seja pequena ¿ 1 a 5 anos de reclusão ¿ e o autor não pretenda se suicidar na televisão, ainda assim teríamos avançado um pouco e nossa cidadania seria menos violentada, sobretudo se a imprensa, tão zelosa nas denúncias, também mostrasse o que estão passando os condenados para purgarem suas penas.

GILBERTO RAMOS é economista e ex-vice-prefeito do Rio.