Título: Juízes exortam franceses a votarem 'sim'
Autor: Deborah Berlinck
Fonte: O Globo, 25/05/2005, O Mundo, p. 34
PARIS. Eles enfrentaram líderes corruptos e criminosos sinistros. Brigaram contra barreiras impostas por governos e contra segredos bancários. Sete juízes famosos, como o francês Renaud Van Ruymbeke, o italiano Edmundo Liberati e o suíço Bernard Bertossa, que nos últimos anos estiveram à frente de investigações de grandes casos de corrupção na Europa, saíram em campo para dizer que, se a França rejeitar a Constituição européia no referendo de domingo, isso dificultará o combate ao crime no continente.
Luta contra a delinqüência transnacional
Os magistrados assinaram um artigo no jornal "Le Monde" em que dizem que a Carta "abre novas perspectivas para se trabalhar por uma Europa com mais liberdade, segurança e justiça". Dizem ainda que foi graças à UE que os magistrados puderam aumentar a cooperação no combate ao crime. Em entrevista ao GLOBO, um dos signatários, Ruymbeke, o mais famoso juiz da área financeira da França, explicou que certos países entravam as investigações de lavagem de dinheiro, sobretudo na área bancária. Segundo ele, sem a Constituição, ficará mais difícil acabar com isso.
- A falta de cooperação na área judiciária não é um problema só da Europa. Vocês têm o mesmo problema na América Latina. É sempre difícil ter acesso às investigações em países vizinhos. É preciso formalizar pedidos e os procedimentos são demorados. Mas a Europa criou instituições que ajudam a minimizar isso. Ainda não é o ideal, mas avançamos - disse.
O juiz francês declarou que uma eventual rejeição da Carta européia não vai invalidar os avanços que o bloco fez na área jurídica nos últimos anos, mas será "um freio na criação de novos instrumentos". Ruymbeke foi um dos sete juízes que, junto com o espanhol Baltasar Garzón, lançou, há nove anos, o Apelo de Genebra. Neste documento, magistrados de Bélgica, Itália, Suíça, Itália, Espanha e França se queixaram de falta de meios para combater o crime organizado e alertaram que outra Europa estava se erguendo à sombra da construção européia, com paraísos fiscais e segredos bancários "alimentando drogas, terror, seitas e corruptos".
A UE criou, em 2002, o Eurojust, primeira rede permanente de cooperação judiciária no mundo, com base em Haia, na Holanda, para facilitar o contato dos juízes nos 25 países do bloco. A UE adotou ainda novas técnicas de investigação e harmonizou a ordem de prisão. Ruymbeke e outros juízes vêm insistindo na criação de um "espaço judiciário europeu". E a nova Carta poderia facilitar: ela permite que decisões judiciais sejam aprovadas por maioria qualificada, e não mais por consenso.
- Isso significa que, no dia em que se decidir criar algo, não será mais preciso unanimidade. Para nós, um espaço judiciário europeu permitiria a um juiz fazer investigações em outro país. Quando estamos diante de delinqüência transnacional, um juiz está sempre desarmado, por definição, porque se depara com fronteiras, o que não é o caso dos criminosos - disse.
A quatro dias do referendo, aumentaram os esforços pelo "sim". Dirigentes das três maiores centrais sindicais da Itália fizeram um apelo aos franceses para aprovarem a Carta. Mas o "não" avança: seus simpatizantes são 54%, segundo o Ifop.