Título: JUROS EM ALTA, RENDA EM QUEDA
Autor: Luciana Rodrigues
Fonte: O Globo, 26/05/2005, Economia, p. 23

Rendimento tem 1º recuo no ano, de 1,8%, e IBGE cita aperto monetário e câmbio

Aperda de fôlego na economia brasileira já começa a afetar o mercado de trabalho. A taxa de desemprego das seis maiores regiões metropolitanas do país ficou estável em abril, em 10,8%, mas o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) constatou uma perda na renda dos trabalhadores, a redução de cem mil vagas na indústria e nenhum aumento nos postos de trabalho com carteira assinada.

Os rendimentos habitualmente recebidos recuaram 1,8% frente a março, depois de três altas seguidas. Essa queda praticamente anulou os ganhos obtidos este ano: em média o trabalhador brasileiro recebia R$938,70 em abril, quase o mesmo que os R$938,96 de novembro de 2004.

O coordenador da Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE, Cimar Azeredo, explica que, em março, o quadro era mais favorável para o mercado de trabalho que, em abril, começou a sentir os efeitos do aumento da taxa de juros e da perda de vigor nas exportações, com a recente valorização do real. Nos três primeiros meses do ano, graças também ao calendário atípico de 2005 ¿ com o carnaval comemorado no início de fevereiro e a Páscoa em março, o que aumentou as contratações ¿ o mercado de trabalho vinha resistindo ao desaquecimento da economia.

¿ Em abril, a redução de vagas na indústria, sobretudo em São Paulo, a queda no rendimento dos trabalhadores e a criação de menos vagas com carteira delineiam uma situação preocupante ¿ disse Azeredo. ¿ O mercado de trabalho está num momento de transição. Daqui para a frente, vai depender da reação que o investidor terá frente a este aperto monetário (ou seja, a alta dos juros).

Alta de preços corrói os salários

A indústria foi a atividade com pior desempenho em abril. Só na Região Metropolitana de São Paulo, houve uma redução de 97 mil vagas frente a março. Por outro lado, aumentaram as contratações no comércio e em serviços domésticos, setores que tradicionalmente pagam menos. Segundo o economista Márcio Ferrari, também do IBGE, isso em parte explica a queda na renda média dos trabalhadores:

¿ A taxa de desemprego ficou estável, mas houve uma mudança na composição dos setores.

O repique da inflação em abril ajudou a corroer o ganhos dos trabalhadores. Nas seis regiões metropolitanas pesquisadas pelo IBGE, a inflação média subiu 1,08% no mês passado, contra 0,8% em março.

Havia uma expectativa, entre os economistas, de que o aumento na renda dos trabalhadores, ainda que modesto, mantivesse o consumo aquecido e ajudasse a amortecer o impacto dos juros sobre a atividade econômica. Mas a pesquisa do IBGE ontem mostrou uma queda na massa salarial, ou seja, no conjunto de ganhos de todos os trabalhadores. Segundo cálculos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a massa salarial do que foi efetivamente recebido recuou 0,9% de fevereiro para março (último dado disponível), para R$18,7 bilhões.

Ainda assim, a economista Giovanna Rocca, do Unibanco, acredita que as condições do mercado de trabalho ainda são favoráveis para sustentar a demanda por consumo. Giovanna lembra que a taxa de desemprego ficou estável num mês em que costuma subir. Sazonalmente, o desemprego cresce nos seis primeiros meses do ano e só recua no segundo semestre, quando a indústria começa a contratar para as encomendas de Natal.

Além disso, em maio, haverá o impacto positivo do reajuste do salário-mínimo, acrescenta Giovanna. Mas ela também vê o risco de que a alta de juros prejudique o mercado de trabalho nos próximos meses.

Marcelo de Ávila, do Ipea, destaca que, apesar de não ter havido aumento nas vagas com carteira assinada frente a março, a pesquisa registrou um crescimento de 6,4% nos empregos formais na comparação com abril do ano passado. Enquanto isso, o número de empregos sem carteira cresceu só 2,2%. Foi o terceiro mês seguido em que o emprego formal cresceu mais do que as vagas sem carteira neste tipo de comparação.

Ele lembra que a taxa de desemprego só não subiu porque cresceu muito pouco o número de pessoas buscando vagas. Ao todo, apenas 21 mil novos postos de trabalho foram criados. Nas seis regiões metropolitanas do país, existiam em abril 2,364 milhões de desocupados.

Ávila acrescenta que havia uma expectativa de maior expansão de vagas em abril, já que o Ministério do Trabalho, em seu levantamento sobre emprego formal, constatou um número recorde de 226 mil novos postos no mês passado.

Ipea: cenário melhor nas cidades menores

Ao contrário da pesquisa do IBGE, que abrange apenas as seis maiores regiões metropolitanas do país, o levantamento do Ministério do Trabalho tem cobertura nacional.

¿ Isso mostra que a situação da indústria nas cidades menores está melhor ¿ diz Ávila, do Ipea.

O desemprego em abril ficou bem abaixo do registrado no mesmo mês do ano passado: 13,1%. Mas Cimar Azeredo, do IBGE, destaca que o primeiro trimestre de 2004 foi o auge da crise no mercado de trabalho.

¿ A taxa de desemprego tem ficado estável nos últimos meses e num patamar dois pontos percentuais abaixo do que era registrado no começo de 2004. Mas temos que deixar claro que os primeiros meses de 2004 foram críticos.