Título: VITÓRIA DO `NÃO¿ PODE IMPLODIR GOVERNO FRANCÊS
Autor: Deborah Berlinck
Fonte: O Globo, 26/05/2005, O Mundo / Ciencia e Vida, p. 30
Expectativa é de que derrota em referendo da Constituição ponha fim também a sonho de reeleição de Chirac
PARIS. Um ¿não¿ francês à Constituição européia no referendo do próximo domingo ¿ como prevêem as últimas sondagens ¿ vai causar mais do que um grande estrago na União Européia, já que a França é uma das fundadoras do bloco. O referendo poderá resultar numa recomposição brutal da vida política francesa. Já é dada como quase certa a implosão do governo do primeiro-ministro Jean-Pierre Raffarin, seja qual for o resultado. Raffarin é hoje a autoridade pública mais impopular da França.
O premier foi ontem à TV minimizar o impacto das pesquisas e afirmou que nada está decidido até que os franceses votem:
¿ Sabemos que os franceses esperam até o último momento para decidir ¿ disse o premier, apelando aos cidadãos para que dêem um ¿voto de responsabilidade¿.
O ¿não¿ poderá significar também o fim do dito (mas nunca confirmado) sonho do presidente Jacques Chirac de disputar um terceiro mandato presidencial, nas eleições de 2007, e levar a um racha irremediável o Partido Socialista.
Villepin bem cotado para premier se governo cair
Elizabeth Dupoirier, do Centro de Estudos da Vida Política Francesa (Cevipof), em Paris, não tem dúvida:
¿ A impopularidade fortíssima do governo Raffarin está arrastando para o buraco a do presidente Chirac. Seja lá qual for o resultado, o presidente tem o interesse, e provavelmente a intenção, de mudar o governo. Há uma usura do poder. Este governo não tem mais força, não tem mais legitimidade ¿ disse.
François Bayrou, presidente do UDF, partido de direita que poderá ser integrado num possível novo governo, confirmou ao GLOBO as especulações sobre a saída do premier. Segundo ele, espera-se que se o resultado for ¿não¿, Raffarin saia.
O jornal ¿Le Monde¿ já publicou até uma lista de possíveis substitutos do premier que começa com o atual ministro do Interior, Dominique de Villepin. O jornal cita também a ministra da Defesa, Michèle Alliot-Marie, e não exclui que o presidente da República apele para Nicolas Sarkozy, seu maior rival dentro do UMP, o partido de direita que sustenta o governo. Uma pesquisa do canal de TV LCI indicou que os franceses preferem Sarkozy (35%) a Villepin (18%).
Muitos votarão ¿não¿ em protesto contra Chirac
Se o ¿não¿ prevalecer, com ou sem mudança de governo o grande perdedor será o presidente Jacques Chirac, que apostou tudo no ¿sim¿:
¿ Nesse caso, ele vai enfrentar condições muito ruins para terminar seu mandato. Também não vai poder sonhar em se apresentar para um terceiro mandato, como circulam os rumores ¿ explicou Dupoirier.
Tudo isso tem um motivo: neste referendo, os franceses não vão estar votando somente sobre a Europa. Muitos vão votar ¿não¿ em protesto contra Chirac. Questões internas estão tendo um enorme peso na eleição. Os franceses estão furiosos com o desemprego, que atingiu 10,1%. A notícia recente de que o país em 2005 vai ter taxas de crescimento econômico próximas a zero não ajudou. Num país que adora estatais e serviço público, as tentativas do governo de privatizar alguns serviços e reformar a lei que limita a semana de trabalho a 35 horas levaram milhares às ruas em protesto. Por isso, os sindicatos franceses apóiam o ¿não¿ e estão na contramão dos sindicatos de outros países europeus.
Senado austríaco aprova Constituição européia
O estrago não é só no governo. O Partido Socialista, seja qual for o resultado, sairá do referendo com uma enorme fratura, por causa da rebelião do numero dois da agremiação, Laurent Fabius. Contrariando a orientação da cúpula, ele lidera uma campanha virulenta contra a Constituição, e está num bate-boca aberto com o secretário-geral François Hollande.
¿ É talvez uma fratura irremediável. A necessária unidade do partido para as eleições de 2007 está seriamente comprometida ¿ disse Elizabeth Dupoirier.
Na Áustria, o Senado aprovou a Constituição européia, finalizando o processo de adesão do país à Carta, depois de o governo rejeitar apelos de última hora por um referendo. Na Holanda, a população irá às urnas dia 1º de junho.
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