Título: POR QUE É PRECISO INVESTIGAR OS CORREIOS
Autor: EMÍLIA SOARES DE SOUZA
Fonte: O Globo, 27/05/2005, Opinião, p. 7

As acusações de corrupção nos Correios acabaram ganhando um tratamento de viés, ou seja: na berlinda ficaram os políticos do PTB. A corrupção em si, que grassa na estatal, foi jogada para escanteio.

Na ampla e extensa defesa apresentada pelo deputado federal Roberto Jefferson, presidente do PTB, foi dito que tal verba (os R$3 mil que todos assistiram Marinho embolsar) seria um pagamento por consultoria.

Não se leu, ouviu ou viu (jornal ou revista, rádio e televisão) jornalistas perguntando: a) funcionário público pode prestar consultoria?; b) de que consultoria se trata, já que ele é funcionário de carreira, há 28 anos trabalhando só na Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, a ECT?; c) pode receber pagamento para tal, dentro do serviço público?; d) então, por que recebe lá dentro, a consultoria é prestada lá dentro ¿ e/ou ¿ lá de dentro?; e) a ECT presta consultoria?; de que tipo?; f) quem mais recebe com ele, já que mencionou a fração que lhe corresponde (2%, 3%), mas alegou que ¿para cima¿ vai mais?; g) quem ou quantos está (estão) lá em cima?; e, por fim, todos os que recebem ¿ de baixo e de cima ¿ prestam a mesma consultoria?; h) quem cuida do caixa dois da ECT?

Seria ingenuidade demais acreditar que se trata de simples consultoria. E que todos, de cima a baixo da ECT, a prestam.

Desde 1999, as micros, pequenas e médias empresas de encomendas expressas vivem um pesadelo, causado pela perseguição implacável da estatal, dentro e fora do Poder Judiciário. E o que os dirigentes dos Correios querem? Jogar todas as empresas privadas fora, com seus mais de um milhão de empregados, para unificar em suas mãos o mercado nacional e deixá-lo pronto para a (programada e rentável) privatização. O projeto é audacioso e, por causa dele, já foram gastos milhões de dólares em contratos de assessoria e consultoria com empresas estrangeiras.

Todos os contratos foram denunciados ao Tribunal de Contas da União, por diversos motivos: falta de licitação dentro do país, onde há e havia empresas capazes; valores excessivos daqueles contratos; aproveitamento duvidoso dos resultados etc. etc. etc. E o TCU? Até agora, nada!

Tentando na Câmara dos Deputados um novo monopólio, por meio do abandonado (por inviável) projeto de lei 1.491/99, não deixou a ECT de cumprir suas metas rumo à privatização, mesmo que longe e fora das leis. Desde 2002, voltou com força total às barras do Judiciário pretendendo varrer as empresas com a falsa alegação de que elas invadem seu monopólio.

Hoje, as empresas privadas estão nas mãos de juízes que se recusam a aceitar que o monopólio, instituído pelos militares sob pretexto de segurança nacional (que só eles ameaçavam), morreu quando foi promulgada a Constituição da República Federativa do Brasil, em 1988. E nem sabem que o decreto 83.858/79 ¿ que em seu artigo 2º determinou a inconstitucional expulsão das empresas do setor ¿ foi revogado em fevereiro de 1991, devolvendo, assim, o lugar no mercado de cada empresa expulsa pelo tal decreto militar.

Estes juízes despreparados têm rabiscado sobre a Constituição. São videntes, porque lêem nela o que não está escrito. E as empresas pagam com a vida pelo despreparo e pela má leitura da bola de cristal.

Se de um lado a ECT persegue com vigor inusitado as concorrentes, tachando-as de criminosas; de outro, pratica ela mesma vários crimes e permanece incólume, porque é estatal. Mas ser estatal é estar acima da lei? Sim, porque ela pratica dumping, baixando tarifas que, por lei, são fixas; domina 85% do mercado de coleta e entregas contra (seu estatuto) e a lei de concorrência, que só permite deter 20%. Mercado que não conquistou, mas tomou.

Como confirma em sua norma (CI/DENCO ¿ 0897/2004, ref. CI/DENCO ¿ 750/2004) assinada por Maurício Coelho Madureira, diretor de Operações, ¿convém lembrar, novamente, que esse segmento é altamente concorrencial, e que os nossos clientes percebem quando não atingimos os prazos contratados. Já temos, por exemplo, na DR/MG a ameaça de rompimento de um grande cliente deste segmento, conquistado, inclusive, por força de medida judicial¿.

Pratica cartelização de clientes ao unir num mesmo contrato vários grandes (bancos e conglomerados, em geral), esmagando a própria tarifa, não para favorecê-los, mas para varrer a concorrência. Para safar-se da ilegalidade, o diretor comercial Roberval Corrêa Borges propôs ao financeiro contabilizar como ¿despesas¿ os descontos (de até 25%) dados a grandes clientes. Ainda cria nomes novos para velhos produtos, para cobrar mais da população; aluga imóveis por valor superfaturado, etc.

Bom exemplo de que não há monopólio é o fato de o Serviço Federal de Processamento de Dados, do Ministério da Fazenda, desprezar os serviços da estatal, já que em 2004 prorrogou contrato com a empresa de encomendas expressas Pontual, para transporte de suas encomendas.